Coqueluche - Bordetella pertussis
- Carlos Wallace

- 3 de set. de 2024
- 8 min de leitura
Atualizado: 21 de nov. de 2024
Bordetella pertussis é a bactéria responsável pela coqueluche, uma doença altamente contagiosa e potencialmente grave, particularmente em crianças não vacinadas. A coqueluche, também conhecida como tosse convulsa, é caracterizada por episódios de tosse intensa que podem levar a complicações respiratórias e neurológicas. Apesar da disponibilidade de vacinas eficazes, a coqueluche permanece uma preocupação de saúde pública em todo o mundo, devido à ressurgência de casos, mesmo em populações vacinadas.

A descoberta de B. pertussis como o agente causador da coqueluche foi um marco na microbiologia, permitindo o desenvolvimento de vacinas que reduziram significativamente a incidência da doença. No entanto, a adaptação da bactéria e a eventual diminuição da imunidade conferida pela vacinação são desafios contínuos para o controle da coqueluche.
Microbiologia da Bordetella pertussis
Bordetella pertussis é uma bactéria gram-negativa, aeróbica, de forma cocobacilar. Possui uma cápsula que confere proteção contra fagocitose e é não móvel, diferindo de outras espécies do gênero Bordetella, como B. bronchiseptica, que pode causar infecções respiratórias em animais e humanos.
A patogenicidade de B. pertussis é atribuída a uma série de fatores virulentos, incluindo toxinas e proteínas de adesão que facilitam a colonização do trato respiratório humano. Entre os principais fatores de virulência, destacam-se:
Toxina Pertussis (PT): Uma exotoxina que interfere na sinalização celular ao ADP-ribosilar proteínas G, levando a efeitos sistêmicos, como linfocitose.
Adesinas (Hemaglutinina Filamentosa e Pertactina): Facilitam a adesão às células epiteliais ciliadas do trato respiratório, crucial para a colonização inicial.
Citotoxina Traqueal: Danifica diretamente as células epiteliais ciliadas, contribuindo para a tosse persistente característica da doença.
Esses fatores combinam-se para permitir que B. pertussis evite a resposta imune inicial e se estabeleça nas vias aéreas, causando danos locais e sistêmicos.
Epidemiologia
A coqueluche foi uma das principais causas de mortalidade infantil antes da introdução da vacina pertussis na década de 1940. A vacinação em larga escala resultou em uma queda dramática nos casos. No entanto, a coqueluche experimenta um ressurgimento global nas últimas décadas, inclusive em países com altas taxas de vacinação, como os Estados Unidos e alguns países da Europa.
Fatores Contribuintes:
Imunidade Decrescente: a proteção conferida pelas vacinas acelulares contra a coqueluche, introduzidas na década de 1990, parece diminuir ao longo do tempo, deixando adolescentes e adultos susceptíveis à infecção e capazes de transmitir a doença a indivíduos vulneráveis, como bebês.
Variantes de B. pertussis: surgiram variantes da B. pertussis que podem escapar parcialmente da imunidade conferida pela vacina, embora não haja consenso sobre o impacto dessas variantes na epidemiologia da doença.
Falhas na Cobertura Vacinal: em algumas regiões, a hesitação vacinal e a falta de acesso a serviços de saúde têm contribuído para a persistência da coqueluche.
Patogênese e Imunidade
A coqueluche se desenvolve após a inalação de gotículas respiratórias contendo B. pertussis, que se liga às células ciliadas do epitélio respiratório. Uma vez aderida, a bactéria prolifera e libera toxinas que causam inflamação local e morte celular. Isso resulta em uma resposta imune inata inicial, seguida por uma resposta imune adaptativa.
Fase Catarral: A fase inicial da coqueluche, que dura de 1 a 2 semanas, é caracterizada por sintomas inespecíficos, como coriza, febre leve e tosse ocasional. Durante esta fase, a B. pertussis se multiplica rapidamente e a transmissão é mais eficaz.
Fase Paroxística: Após a fase catarral, ocorre a fase paroxística, marcada por acessos de tosse severa, seguidos por um "gasping" ou "whoop" inspiratório. Esses episódios de tosse são causados pelo efeito da toxina pertussis e pela citotoxina traqueal, que danificam as células ciliadas e induzem a secreção de muco espesso, difícil de ser expelido.
Fase de Convalescença: Esta fase final pode durar semanas a meses, com a tosse gradualmente diminuindo. No entanto, complicações secundárias, como pneumonia ou convulsões, podem ocorrer, especialmente em lactentes.
A imunidade contra B. pertussis pode ser induzida tanto por infecção natural quanto por vacinação. No entanto, a imunidade conferida pela infecção ou pela vacina não é permanente, explicando a suscetibilidade contínua, principalmente em adolescentes e adultos.
Diagnóstico
O diagnóstico preciso da infecção por Bordetella pertussis é fundamental para o tratamento eficaz e para a prevenção da disseminação da coqueluche, especialmente em populações vulneráveis. Devido à apresentação clínica inespecífica nas fases iniciais da doença, os métodos laboratoriais desempenham um papel crucial na confirmação do diagnóstico. A seguir, exploram-se os principais testes diagnósticos utilizados:
Cultura Bacteriana
A cultura bacteriana é considerada o padrão-ouro para o diagnóstico de B. pertussis, principalmente por sua especificidade elevada. O processo envolve a obtenção de amostras de secreções nasofaríngeas, sendo então inoculadas em meios de cultura seletivos, como o meio de Bordet-Gengou ou o meio de Regan-Lowe. Esses meios são enriquecidos com carvão vegetal e extrato de sangue para neutralizar compostos tóxicos e promover o crescimento da bactéria.
Limitações:
Sensibilidade: a sensibilidade da cultura bacteriana diminui significativamente após a fase catarral, tornando-a menos eficaz nas fases paroxística e de convalescença.
Tempo de Resposta: a cultura pode levar de 7 a 10 dias para fornecer resultados, o que limita sua utilidade em situações que requerem diagnóstico rápido.
Condições de Amostra: o sucesso da cultura depende da qualidade e do manuseio adequado da amostra. A coleta deve ser realizada idealmente nos primeiros 14 dias de doença para aumentar a probabilidade de crescimento bacteriano.
Reação em Cadeia da Polimerase (PCR)
Princípios e Aplicação: A PCR é uma técnica de biologia molecular que amplifica sequências específicas de DNA bacteriano, permitindo a detecção rápida e sensível de B. pertussis em amostras respiratórias. A PCR é especialmente útil durante a fase catarral e o início da fase paroxística, quando a carga bacteriana é mais alta.
Vantagens:
Alta Sensibilidade e Especificidade: A PCR pode detectar B. pertussis mesmo em amostras onde a bactéria está presente em pequenas quantidades, superando as limitações da cultura bacteriana.
Rapidez: Resultados podem ser obtidos em 24 a 48 horas, permitindo um diagnóstico mais ágil e intervenções precoces.
Detecção de Casos Atípicos: A PCR pode identificar infecções por cepas mutantes ou variantes de B. pertussis que podem não crescer em culturas convencionais.
Limitações:
Custo: O custo da PCR é relativamente elevado em comparação com outros métodos diagnósticos, limitando seu uso em ambientes com recursos limitados.
Contaminação: Devido à alta sensibilidade da PCR, existe um risco de resultados falso-positivos por contaminação cruzada.
Testes Sorológicos
Princípios e Aplicação: A sorologia envolve a detecção de anticorpos específicos contra antígenos de B. pertussis, como a toxina pertussis (PT), em amostras de soro sanguíneo. A sorologia é particularmente útil para diagnosticar casos de coqueluche em fases tardias, quando a cultura e a PCR podem ser menos eficazes.
Vantagens:
Diagnóstico de Infecções Recentes e Passadas: A presença de IgG contra toxina pertussis sugere uma infecção recente ou vacinação, enquanto a presença de IgM pode indicar uma infecção aguda.
Aplicações Epidemiológicas: A sorologia é útil em estudos de vigilância para determinar a prevalência de coqueluche em populações e a duração da imunidade pós-vacinal.
Limitações:
Janela Diagnóstica: A sorologia é mais eficaz a partir de 2 a 3 semanas após o início dos sintomas, quando os níveis de anticorpos são detectáveis, mas pode ser menos útil no diagnóstico precoce.
Interferência Vacinal: A vacinação recente pode dificultar a interpretação dos resultados sorológicos, devido à indução de anticorpos semelhantes aos gerados pela infecção natural.
Imunofluorescência Direta (IFD)
Princípios e Aplicação: A imunofluorescência direta utiliza anticorpos marcados com fluorocromos que se ligam a antígenos específicos de B. pertussis em amostras respiratórias. Sob um microscópio de fluorescência, as bactérias que contêm esses antígenos aparecem como partículas fluorescentes.
Vantagens:
Rapidez: A IFD pode fornecer resultados em poucas horas, permitindo um diagnóstico rápido.
Simultaneidade: Pode ser usada para identificar múltiplos patógenos respiratórios em uma única amostra.
Limitações:
Sensibilidade Inferior: A sensibilidade da IFD é geralmente inferior à da PCR e da cultura, especialmente em casos com baixa carga bacteriana.
Dependência de Técnica: A precisão dos resultados depende muito da habilidade do técnico de laboratório em interpretar a fluorescência, podendo levar a variações nos resultados.
Testes de Antígeno de Fluxo Lateral
Os testes de antígeno de fluxo lateral são métodos rápidos que detectam proteínas específicas de B. pertussis em amostras respiratórias. Esses testes são semelhantes aos testes rápidos de antígeno para COVID-19, proporcionando resultados em 15 a 30 minutos.
Vantagens:
Portabilidade e Facilidade de Uso: Esses testes podem ser realizados no ponto de atendimento (point-of-care), sem a necessidade de equipamentos laboratoriais complexos.
Custo Efetivo: Em comparação com PCR e cultura, esses testes são mais acessíveis e práticos para uso em áreas de baixa infraestrutura.
Limitações:
Baixa Sensibilidade: A sensibilidade desses testes é significativamente menor, o que pode resultar em um número considerável de falsos negativos, especialmente em fases tardias da doença.
Uso Limitado: Devido à baixa sensibilidade e especificidade, esses testes são geralmente usados em combinação com outros métodos diagnósticos, em vez de como teste de diagnóstico definitivo.
Tratamento
O tratamento da coqueluche inclui tanto o manejo dos sintomas quanto a eliminação da bactéria para reduzir a transmissão.
Antibioticoterapia:
Macrolídeos: Como a azitromicina e a claritromicina são os antibióticos de escolha para tratar a coqueluche, especialmente nos estágios iniciais da doença. Eles são eficazes na redução da duração dos sintomas e na prevenção da disseminação da bactéria.
Sulfametoxazol/Trimetoprim: Alternativa para pacientes alérgicos a macrolídeos.
Cuidados de Suporte:
Oxigenoterapia: Pode ser necessária em casos graves, particularmente em lactentes.
Hospitalização: Indicada para casos graves ou em bebês com menos de seis meses, devido ao risco elevado de complicações.
Prevenção
A vacinação é a principal estratégia de prevenção contra a coqueluche. As vacinas contra a coqueluche estão disponíveis em duas formas principais: vacina de células inteiras e vacina acelular.
Vacina de Células Inteiras: Desenvolvida nas décadas de 1940 e 1950, é composta por células inteiras de B. pertussis inativadas. Embora altamente eficaz, está associada a um maior risco de efeitos colaterais, como febre e reações locais.
Vacina Acelular: Introduzida nos anos 1990, a vacina acelular contém apenas componentes purificados da B. pertussis, como toxinas e adesinas. É associada a menos efeitos adversos, mas sua imunogenicidade pode ser menor em comparação com a vacina de células inteiras, resultando em uma imunidade menos duradoura.
Esquema Vacinal:
Crianças: o esquema vacinal primário contra a coqueluche geralmente inclui três doses da vacina tríplice bacteriana (DTP) ou tríplice bacteriana acelular (DTPa) administradas aos 2, 4 e 6 meses de idade, seguidas por doses de reforço aos 15 meses e entre 4 e 6 anos de idade.
Adolescentes e Adultos: reforços da vacina DTPa são recomendados para adolescentes e adultos, especialmente para aqueles que estão em contato próximo com lactentes, como pais e profissionais de saúde.
Imunidade de Rebanho: a alta cobertura vacinal é essencial para proteger aqueles que não podem ser vacinados, como recém-nascidos e indivíduos imunocomprometidos. No entanto, a imunidade de rebanho é difícil de alcançar para a coqueluche devido à imunidade decrescente e à circulação de variantes de B. pertussis.
Desafios e Perspectivas Futuras
A coqueluche continua a representar um desafio significativo para a saúde pública global. A resurgência de casos em populações vacinadas indica a necessidade de melhorias nas vacinas existentes e no desenvolvimento de novas estratégias de prevenção.
Vacinas Melhoradas - a pesquisa está em andamento para desenvolver vacinas que proporcionem uma imunidade mais duradoura e que sejam eficazes contra as variantes emergentes de B. pertussis. As vacinas de nova geração, que incluem proteínas recombinantes e vacinas de subunidades, são áreas promissoras de investigação.
Diagnóstico Avançado - desenvolvimento de métodos diagnósticos mais rápidos e precisos é crucial para o controle eficaz de surtos de coqueluche. A implementação de testes point-of-care pode facilitar o diagnóstico precoce e o tratamento oportuno.
Educação e Conscientização - ampanhas de conscientização pública sobre a importância da vacinação e o reconhecimento precoce dos sintomas de coqueluche são essenciais para reduzir a incidência da doença. Profissionais de saúde também devem ser continuamente treinados para identificar e manejar a coqueluche de maneira eficaz.
Bordetella pertussis, apesar dos avanços na vacinação e tratamento, continua a ser um patógeno de grande relevância na saúde pública. A reemergência da coqueluche em países com altas taxas de vacinação ressalta a necessidade de uma vigilância constante, melhorias nas vacinas e estratégias de prevenção adaptadas às realidades epidemiológicas contemporâneas. Somente através de um esforço coordenado entre pesquisadores, profissionais de saúde e formuladores de políticas será possível controlar eficazmente a disseminação desta doença.
Referências bibliográficas
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