Crioaglutininas
- Carlos Wallace

- 26 de set.
- 5 min de leitura
As crioaglutininas são anticorpos que causam a aglutinação das hemácias a temperaturas inferiores à temperatura corporal normal. Este fenômeno é particularmente relevante em uma série de condições clínicas, incluindo infecções, doenças autoimunes e distúrbios linfoproliferativos. A presença de crioaglutininas pode levar a uma variedade de manifestações clínicas, desde anemias hemolíticas até complicações vasculares. Este artigo explora as características das crioaglutininas, os métodos de diagnóstico, as implicações clínicas e o manejo dessas condições.
Características das Crioaglutininas
As crioaglutininas são autoanticorpos, geralmente do tipo IgM, que se ligam a antígenos na superfície das hemácias a temperaturas abaixo da temperatura corporal normal (geralmente abaixo de 37 °C). Quando o sangue é resfriado, essas crioaglutininas causam a aglutinação das hemácias, o que pode levar à hemólise.
Tipos de Crioaglutininas:
Primárias (idiopáticas): Estas crioaglutininas ocorrem sem uma causa subjacente evidente. A condição é frequentemente crônica e pode estar associada a doenças autoimunes.
Secundárias: Associadas a outras condições subjacentes, como infecções (por exemplo, Mycoplasma pneumoniae, vírus Epstein-Barr) ou doenças malignas, especialmente distúrbios linfoproliferativos como linfoma.
Fisiopatologia das Crioaglutininas
O mecanismo de ação das crioaglutininas envolve a ligação ao antígeno I na superfície das hemácias. A ligação ocorre principalmente em regiões do corpo onde a temperatura é mais baixa, como extremidades. Após a ligação, a via clássica do complemento é ativada, levando à hemólise intravascular. A hemólise pode ser exacerbada por temperaturas frias e aliviada pelo aquecimento.
Diagnóstico
O diagnóstico de doenças associadas a crioaglutininas envolve a identificação desses anticorpos no sangue e a avaliação das manifestações clínicas. Os principais métodos diagnósticos incluem:
Teste de Crioaglutininas: O sangue do paciente é coletado e mantido em diferentes temperaturas para observar a aglutinação das hemácias. A presença de crioaglutininas é confirmada pela reversibilidade da aglutinação com o aquecimento.
Hemograma Completo: Pode mostrar sinais de anemia hemolítica, como redução dos níveis de hemoglobina e hematócrito, além de reticulocitose.
Teste de Coombs Direto (TCD): Utilizado para detectar anticorpos ou complemento na superfície das hemácias. Em casos de crioaglutininas, o TCD pode ser positivo para o complemento.
Eletroforese de Proteínas e Imunofixação: Utilizadas para detectar paraproteínas, que podem estar presentes em distúrbios linfoproliferativos associados.
Exames de Imagem e Biópsia de Medula Óssea: Podem ser necessários para investigar a presença de doenças linfoproliferativas subjacentes.
A presença de crioaglutininas pode interferir significativamente nos resultados de exames hematológicos. Identificar essas interferências é crucial para assegurar a precisão dos diagnósticos e o manejo adequado dos pacientes. Esta seção descreve os procedimentos laboratoriais para identificar e lidar com amostras de hemograma que contêm crioaglutininas.
Procedimentos de Identificação
Coleta e Manuseio das Amostras:
As amostras de sangue devem ser coletadas em tubos apropriados, preferencialmente com anticoagulantes como EDTA.
É importante manter as amostras aquecidas a 37 °C desde a coleta até a análise para evitar a aglutinação causada por crioaglutininas.
Inspeção Visual:
No laboratório, as amostras devem ser inspecionadas visualmente. A presença de aglutinação visível ou formação de grumos ao olho nu pode ser um indicativo de crioaglutininas.
Após a coleta, se a amostra for mantida à temperatura ambiente e apresentar formação de grumos, essa é uma indicação de que crioaglutininas podem estar presentes.

Tubo de ensaio com sangue total com presença de crioaglutininas (grumos na parede do tubo).
Microscopia:
O esfregaço sanguíneo deve ser examinado ao microscópio. As crioaglutininas podem causar aglutinação das hemácias, visível como agregados ou "clusters" de células vermelhas.
A preparação do esfregaço deve ser realizada em lâminas previamente aquecidas para prevenir a aglutinação.
Análise Hematológica Automatizada:
As contagens celulares realizadas por analisadores hematológicos podem apresentar resultados anômalos na presença de crioaglutininas, como falsos aumentos na contagem de leucócitos ou plaquetas.
O índice RDW (Red Cell Distribution Width) pode estar elevado devido à presença de aglutinações.
Testes Específicos de Crioaglutininas:
Teste de Crioaglutininas:
O sangue do paciente é resfriado a 4 °C para observar a aglutinação das hemácias.
A reversibilidade da aglutinação é testada aquecendo a amostra a 37 °C A aglutinação reversível confirma a presença de crioaglutininas.
Teste de Coombs Direto (TCD):
O TCD é realizado para detectar anticorpos ou complemento na superfície das hemácias. Em pacientes com crioaglutininas, o TCD pode ser positivo para o complemento (C3d).
Interpretação dos Resultados
Aglutinação Visível:
A presença de aglutinação visível que desaparece ao aquecer a amostra sugere fortemente a presença de crioaglutininas.
Resultados Hematológicos Anômalos:
Desvios significativos nos resultados do hemograma, como falsos aumentos na contagem de leucócitos ou plaquetas, devem levar à suspeita de crioaglutininas.
Confirmação com Teste Específico:
A confirmação definitiva é obtida através do teste de crioaglutininas, com observação de aglutinação a temperaturas frias e sua reversão ao aquecer.
Manejo de Amostras com Crioaglutininas
Manutenção das Amostras Aquecidas:
Durante todo o processo de análise, as amostras devem ser mantidas aquecidas a 37°C para evitar a aglutinação e garantir a precisão dos resultados.
Preparo de Esfregaços em Lâminas Aquecidas:
Os esfregaços sanguíneos devem ser preparados em lâminas aquecidas para prevenir a aglutinação durante a preparação.
Correção de Resultados Anômalos:
Resultados anômalos obtidos por analisadores hematológicos devem ser interpretados com cautela, e a reanálise pode ser necessária após aquecer as amostras.
Implicações Clínicas
As crioaglutininas podem causar uma série de manifestações clínicas, principalmente relacionadas à hemólise e a fenômenos vasculares.
Anemia Hemolítica por Crioaglutininas: A anemia hemolítica causada por crioaglutininas pode ser aguda ou crônica. Os sintomas incluem fadiga, icterícia, urina escura e, em casos graves, insuficiência renal.
Fenômeno de Raynaud e Ulcerações Digitais: Devido à aglutinação das hemácias em temperaturas frias, pacientes com crioaglutininas podem desenvolver o fenômeno de Raynaud, caracterizado por mudanças na cor da pele (branco, azul e vermelho) em resposta ao frio ou estresse. Ulcerações digitais podem ocorrer em casos severos.
Complicações Vasculares: A aglutinação e hemólise intravascular podem levar a complicações vasculares, incluindo trombose e síndrome do anticorpo antifosfolípide secundária.
Manejo das Crioaglutininas
O manejo das crioaglutininas depende da gravidade dos sintomas e da presença de condições subjacentes.
Evitar a Exposição ao Frio:
Pacientes devem ser aconselhados a evitar a exposição a temperaturas frias, utilizar roupas quentes e, se necessário, aquecedores de ambiente.
Tratamento de Condições Subjacentes:
No caso de infecções, o tratamento da infecção subjacente pode reduzir os níveis de crioaglutininas.
Em distúrbios linfoproliferativos, o tratamento do câncer subjacente é essencial. Isso pode incluir quimioterapia, imunoterapia ou transplante de células-tronco.
Tratamento da Anemia Hemolítica:
Em casos severos de anemia hemolítica, transfusões de sangue podem ser necessárias. No entanto, é crucial que o sangue transfundido seja aquecido para evitar a aglutinação por crioaglutininas.
Imunossupressão:
Em casos crônicos ou severos, a imunossupressão com corticosteroides ou outros agentes imunossupressores podem ser indicada.
Plasmaférese:
Em casos agudos severos, a plasmaférese pode ser utilizada para remover crioaglutininas do sangue.
Referências
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