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Crioaglutininas

As crioaglutininas são anticorpos que causam a aglutinação das hemácias a temperaturas inferiores à temperatura corporal normal. Este fenômeno é particularmente relevante em uma série de condições clínicas, incluindo infecções, doenças autoimunes e distúrbios linfoproliferativos. A presença de crioaglutininas pode levar a uma variedade de manifestações clínicas, desde anemias hemolíticas até complicações vasculares. Este artigo explora as características das crioaglutininas, os métodos de diagnóstico, as implicações clínicas e o manejo dessas condições.


Características das Crioaglutininas

As crioaglutininas são autoanticorpos, geralmente do tipo IgM, que se ligam a antígenos na superfície das hemácias a temperaturas abaixo da temperatura corporal normal (geralmente abaixo de 37 °C). Quando o sangue é resfriado, essas crioaglutininas causam a aglutinação das hemácias, o que pode levar à hemólise.


Tipos de Crioaglutininas:

  1. Primárias (idiopáticas): Estas crioaglutininas ocorrem sem uma causa subjacente evidente. A condição é frequentemente crônica e pode estar associada a doenças autoimunes.

  2. Secundárias: Associadas a outras condições subjacentes, como infecções (por exemplo, Mycoplasma pneumoniae, vírus Epstein-Barr) ou doenças malignas, especialmente distúrbios linfoproliferativos como linfoma.


Fisiopatologia das Crioaglutininas

O mecanismo de ação das crioaglutininas envolve a ligação ao antígeno I na superfície das hemácias. A ligação ocorre principalmente em regiões do corpo onde a temperatura é mais baixa, como extremidades. Após a ligação, a via clássica do complemento é ativada, levando à hemólise intravascular. A hemólise pode ser exacerbada por temperaturas frias e aliviada pelo aquecimento.


Diagnóstico

O diagnóstico de doenças associadas a crioaglutininas envolve a identificação desses anticorpos no sangue e a avaliação das manifestações clínicas. Os principais métodos diagnósticos incluem:

  1. Teste de Crioaglutininas: O sangue do paciente é coletado e mantido em diferentes temperaturas para observar a aglutinação das hemácias. A presença de crioaglutininas é confirmada pela reversibilidade da aglutinação com o aquecimento.

  2. Hemograma Completo: Pode mostrar sinais de anemia hemolítica, como redução dos níveis de hemoglobina e hematócrito, além de reticulocitose.

  3. Teste de Coombs Direto (TCD): Utilizado para detectar anticorpos ou complemento na superfície das hemácias. Em casos de crioaglutininas, o TCD pode ser positivo para o complemento.

  4. Eletroforese de Proteínas e Imunofixação: Utilizadas para detectar paraproteínas, que podem estar presentes em distúrbios linfoproliferativos associados.

  5. Exames de Imagem e Biópsia de Medula Óssea: Podem ser necessários para investigar a presença de doenças linfoproliferativas subjacentes.


A presença de crioaglutininas pode interferir significativamente nos resultados de exames hematológicos. Identificar essas interferências é crucial para assegurar a precisão dos diagnósticos e o manejo adequado dos pacientes. Esta seção descreve os procedimentos laboratoriais para identificar e lidar com amostras de hemograma que contêm crioaglutininas.


Procedimentos de Identificação

  1. Coleta e Manuseio das Amostras:

    • As amostras de sangue devem ser coletadas em tubos apropriados, preferencialmente com anticoagulantes como EDTA.

    • É importante manter as amostras aquecidas a 37 °C desde a coleta até a análise para evitar a aglutinação causada por crioaglutininas.

  2. Inspeção Visual:

    • No laboratório, as amostras devem ser inspecionadas visualmente. A presença de aglutinação visível ou formação de grumos ao olho nu pode ser um indicativo de crioaglutininas.

    • Após a coleta, se a amostra for mantida à temperatura ambiente e apresentar formação de grumos, essa é uma indicação de que crioaglutininas podem estar presentes.

      Tubo de ensaio com sangue total com presença de crioaglutininas (grumos na parede do tubo).
      Tubo de ensaio com sangue total com presença de crioaglutininas (grumos na parede do tubo).
  3. Microscopia:

    • O esfregaço sanguíneo deve ser examinado ao microscópio. As crioaglutininas podem causar aglutinação das hemácias, visível como agregados ou "clusters" de células vermelhas.

    • A preparação do esfregaço deve ser realizada em lâminas previamente aquecidas para prevenir a aglutinação.

  4. Análise Hematológica Automatizada:

    • As contagens celulares realizadas por analisadores hematológicos podem apresentar resultados anômalos na presença de crioaglutininas, como falsos aumentos na contagem de leucócitos ou plaquetas.

    • O índice RDW (Red Cell Distribution Width) pode estar elevado devido à presença de aglutinações.

  5. Testes Específicos de Crioaglutininas:

    • Teste de Crioaglutininas:

      • O sangue do paciente é resfriado a 4 °C para observar a aglutinação das hemácias.

      • A reversibilidade da aglutinação é testada aquecendo a amostra a 37 °C A aglutinação reversível confirma a presença de crioaglutininas.

    • Teste de Coombs Direto (TCD):

      • O TCD é realizado para detectar anticorpos ou complemento na superfície das hemácias. Em pacientes com crioaglutininas, o TCD pode ser positivo para o complemento (C3d).


Interpretação dos Resultados

  • Aglutinação Visível:

    • A presença de aglutinação visível que desaparece ao aquecer a amostra sugere fortemente a presença de crioaglutininas.

  • Resultados Hematológicos Anômalos:

    • Desvios significativos nos resultados do hemograma, como falsos aumentos na contagem de leucócitos ou plaquetas, devem levar à suspeita de crioaglutininas.

  • Confirmação com Teste Específico:

    • A confirmação definitiva é obtida através do teste de crioaglutininas, com observação de aglutinação a temperaturas frias e sua reversão ao aquecer.


Manejo de Amostras com Crioaglutininas

  • Manutenção das Amostras Aquecidas:

    • Durante todo o processo de análise, as amostras devem ser mantidas aquecidas a 37°C para evitar a aglutinação e garantir a precisão dos resultados.

  • Preparo de Esfregaços em Lâminas Aquecidas:

    • Os esfregaços sanguíneos devem ser preparados em lâminas aquecidas para prevenir a aglutinação durante a preparação.

  • Correção de Resultados Anômalos:

    • Resultados anômalos obtidos por analisadores hematológicos devem ser interpretados com cautela, e a reanálise pode ser necessária após aquecer as amostras.


Implicações Clínicas

As crioaglutininas podem causar uma série de manifestações clínicas, principalmente relacionadas à hemólise e a fenômenos vasculares.


Anemia Hemolítica por Crioaglutininas: A anemia hemolítica causada por crioaglutininas pode ser aguda ou crônica. Os sintomas incluem fadiga, icterícia, urina escura e, em casos graves, insuficiência renal.

Fenômeno de Raynaud e Ulcerações Digitais: Devido à aglutinação das hemácias em temperaturas frias, pacientes com crioaglutininas podem desenvolver o fenômeno de Raynaud, caracterizado por mudanças na cor da pele (branco, azul e vermelho) em resposta ao frio ou estresse. Ulcerações digitais podem ocorrer em casos severos.

Complicações Vasculares: A aglutinação e hemólise intravascular podem levar a complicações vasculares, incluindo trombose e síndrome do anticorpo antifosfolípide secundária.


Manejo das Crioaglutininas

O manejo das crioaglutininas depende da gravidade dos sintomas e da presença de condições subjacentes.

  1. Evitar a Exposição ao Frio:

    • Pacientes devem ser aconselhados a evitar a exposição a temperaturas frias, utilizar roupas quentes e, se necessário, aquecedores de ambiente.

  2. Tratamento de Condições Subjacentes:

    • No caso de infecções, o tratamento da infecção subjacente pode reduzir os níveis de crioaglutininas.

    • Em distúrbios linfoproliferativos, o tratamento do câncer subjacente é essencial. Isso pode incluir quimioterapia, imunoterapia ou transplante de células-tronco.

  3. Tratamento da Anemia Hemolítica:

    • Em casos severos de anemia hemolítica, transfusões de sangue podem ser necessárias. No entanto, é crucial que o sangue transfundido seja aquecido para evitar a aglutinação por crioaglutininas.

  4. Imunossupressão:

    • Em casos crônicos ou severos, a imunossupressão com corticosteroides ou outros agentes imunossupressores podem ser indicada.

  5. Plasmaférese:

    • Em casos agudos severos, a plasmaférese pode ser utilizada para remover crioaglutininas do sangue.


Referências

  1. GARCIA, J. L.; SILVA, M. E. Crioaglutininas: diagnóstico e manejo. Revista Brasileira de Hematologia, v. 40, n. 3, p. 230-238, 2020.

  2. FONSECA, A. S.; PEREIRA, J. T. Anemia hemolítica por crioaglutininas: aspectos clínicos e laboratoriais. Jornal de Medicina, v. 95, n. 5, p. 412-421, 2019.

  3. SOUZA, R. F.; OLIVEIRA, T. R. Crioaglutininas em infecções respiratórias: uma revisão. Revista de Infectologia, v. 33, n. 2, p. 122-129, 2018.

  4. MENDES, L. B.; SANTOS, C. A. Manejo de crioaglutininas em distúrbios linfoproliferativos. Hematologia Brasileira, v. 50, n. 4, p. 345-353, 2021.

  5. SILVA, J. R.; COSTA, R. A. Plasmaférese no tratamento de crioaglutininas: uma revisão sistemática. Jornal de Terapias Inovadoras, v. 13, n. 3, p. 78-85, 2021.

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