Avaliação do Controle de Qualidade Interno em Laboratórios Clínicos: Aplicação das Regras de Westgard e Resolução de Não Conformidades
- Carlos Wallace
- 29 de mai.
- 6 min de leitura

O controle de qualidade interno é um componente crucial do sistema de garantia da qualidade em laboratórios clínicos. Ele permite a detecção precoce de desvios nos sistemas analíticos, contribuindo para a confiabilidade dos resultados dos exames laboratoriais (PEREIRA et al., 2013). Entre as ferramentas mais difundidas para análise dos dados do CQI estão as regras de Westgard, propostas por James O. Westgard em 1981, que consistem em critérios estatísticos usados para interpretar os gráficos de Levey-Jennings.
Fundamentos do Controle de Qualidade Interno
O CQI baseia-se na análise de materiais controle com valores conhecidos. O objetivo é verificar se os resultados obtidos nos equipamentos laboratoriais estão dentro dos limites aceitáveis de variação. Para isso, utiliza-se o desvio padrão (SD) e a média dos resultados obtidos (BERTOLUCCI et al., 2016).
O material controle deve ser analisado em condições similares às amostras dos pacientes, garantindo a identificação de falhas sistemáticas ou aleatórias. A interpretação adequada dos resultados permite ações corretivas rápidas, evitando que erros afetem os pacientes.
As Regras de Westgard
As regras de Westgard são um conjunto de critérios estatísticos baseados nos princípios da distribuição normal. Elas foram desenvolvidas para facilitar a identificação de erros analíticos e melhorar a qualidade dos resultados laboratoriais. As principais regras são:
Regra | Definição |
---|---|
Regra 1_2s | A regra 1_2s indica que um resultado de controle está fora de 2 desvios padrão da média. Não é considerada uma regra de rejeição, mas sim de alerta, que sugere a necessidade de atenção. Se outra regra for violada, os resultados devem ser rejeitados. |
Regra 1_3s | Aponta que um resultado de controle excedeu 3 desvios padrão da média. Essa é uma regra de rejeição clara, indicando erro aleatório ou sistemático grave. |
Regra 2_2s | Essa regra é violada quando dois resultados consecutivos (ou dois níveis de controle no mesmo ensaio) estão além de 2 desvios padrão do mesmo lado da média. Indica um erro sistemático e requer ação corretiva. |
Regra R_4s | Viola-se quando dois resultados, em um mesmo ensaio ou consecutivamente, diferem entre si por mais de 4 desvios padrão. Aponta para erro aleatório. |
Regra 4_1s | É violada quando quatro resultados consecutivos estão além de 1 desvio padrão do mesmo lado da média. Sugere erro sistemático sutil. |
Regra 10x | Refere-se a dez resultados consecutivos do mesmo lado da média. Também indica tendência ou viés sistemático. |
Regra 2 de 3_2s | Indica que dois de três resultados consecutivos estão acima de ±2 SD do mesmo lado da média. Aponta erro sistemático. |
Regra 7T (ou 7x) | Sete resultados consecutivos estão do mesmo lado da média, ainda que dentro dos limites de ±2 SD. Indica tendência sistemática. |
Regra 8x | Oito valores consecutivos estão de um lado da média. É uma regra menos comum, mas pode ser implementada em softwares laboratoriais. |
Regra 12x ou 12T | Doze valores consecutivos crescentes ou decrescentes indicam tendência progressiva. Muito usada em gráficos de tendência. |
Aplicações Práticas das Regras de Westgard
A aplicação correta das regras de Westgard depende de diversos fatores, incluindo o tipo de exame, a frequência de controle, o número de níveis de controle utilizados e os limites de aceitabilidade adotados.
Exemplo Prático 1 – Violação da Regra 1_3s
Análise: Violação da 1_3s → provável erro aleatório.
Ação corretiva: Repetir o controle. Se o erro persistir, verificar integridade do reagente, calibração do equipamento, e possíveis bolhas ou obstruções no sistema.

Exemplo Prático 2 – Violação da Regra 2_2s
Análise: Violação da 2_2s → erro sistemático.
Ação corretiva: Verificar curva de calibração, estabilidade do reagente, variações de temperatura, manutenção do equipamento.

Exemplo Prático 3 – Violação da Regra R_4s
Análise: Diferença de mais de 4 SD → erro aleatório.
Ação corretiva: Avaliar o sistema de pipetagem, contaminação cruzada, homogeneização dos controles, verificar calibração recente ou ajuste de média. Caso esteja tudo conforme com os itens mencionados anteriormente, uma alternativa pode ser repetir uma rodada de controle com nova alíquota, e verificar homogeneização, estabilidade, não pipetar junto ao processamento de amostras, caso persista e fique próximo aos limites de bula, avaliar recalibração do mensurando.

Outras situações possíveis de gráfico de Levey-Jennings

No controle de qualidade interno, o breakpoint evidenciado na linha amarela do gráfico marca o ponto em que houve uma mudança significativa no desempenho analítico do sistema. Antes do ensaio 30, os resultados mantinham-se estáveis e concentrados abaixo da média (já neccessitando de ajuste de média), com baixa variabilidade. A partir desse ponto, observa-se uma elevação abrupta dos valores z, indicando uma possível intervenção técnica, troca de lote de reagente, manutenção de equipamento ou alteração de calibração. Essa ruptura no padrão estatístico justifica o reinício do cálculo da média (Xm) e do desvio-padrão (DP), a fim de refletir com precisão a nova realidade analítica.
A correta identificação do breakpoint é fundamental para garantir que o monitoramento da qualidade continue sensível a desvios reais, evitando tanto falsas rejeições quanto a aceitação indevida de erros.
Tipos de Erros no Controle de Qualidade: Sistemáticos e Aleatórios
No controle de qualidade interno, os erros são classificados em dois grandes grupos: erros aleatórios e erros sistemáticos. Reconhecer o tipo de erro é fundamental para adotar ações corretivas eficazes.
Erros Aleatórios
Os erros aleatórios ocorrem de forma imprevisível e afetam a precisão do ensaio. São causados por variações momentâneas no sistema analítico, como bolhas na pipeta, falhas momentâneas do equipamento, variações de temperatura, interferências eletromagnéticas (como alguns equipamentos são tão sensíveis que apenas atender uma chamada próximo à ele já causa variações) ou volume aspirado incorretamente ente outras avarias específicas de cada plataforma.
Características:
Podem ocorrer em qualquer direção (para cima ou para baixo);
Não seguem padrão fixo;
Dificultam a repetibilidade do ensaio.
Resolução:
Repetir o ensaio com novo volume do controle, se possível em nova alíquota;
Verificar presença de bolhas, obstruções e limpeza das sondas ou alinhamento/obstrução de tips/ponteiras descartáveis como na plataforma Vitros, por exemplo;
Recalibrar partes mecânicas do equipamento, ou o mensurando se necessário;
Inspecionar os reagentes e homogeneizar os controles corretamente.
Erros Sistemáticos
Erros sistemáticos afetam a exatidão dos resultados. São persistentes e tendem a ocorrer sempre na mesma direção. Normalmente resultam de problemas de calibração, deterioração de reagentes, ou falhas consistentes na técnica analítica.
Características:
Direção constante (valores consistentemente altos ou baixos);
Padrão reconhecível nos gráficos de controle;
Reduzem a acurácia do teste.
Resolução:
Revisar a calibração do sistema;
Trocar lote de reagentes ou verificar validade;
Realizar manutenção preventiva do equipamento;
Avaliar a necessidade de revalidar curvas de calibração.
Resolução de Não Conformidades
A detecção de uma violação das regras requer ações rápidas e sistemáticas. Segue um modelo de abordagem:
Registro do evento: Documentar a não conformidade no sistema de qualidade.
Investigação: Identificar a causa raiz (ex: falha humana, problema no equipamento, reagente vencido).
Ação corretiva: Corrigir a falha e repetir os controles.
Validação: Somente após o CQI estar conforme, os resultados de pacientes podem ser liberados.
Acompanhamento: Monitorar o desempenho posterior para evitar reincidências.
Utilização de Valores de Bula e Especificação de Qualidade Interna
A definição dos limites de controle (média e desvio padrão) pode ser feita de duas formas principais:
Valores de Bula do Fabricante
São os valores fornecidos pelo fabricante do controle, baseados em estudos internos de reprodutibilidade.
Vantagens:
Referência inicial ao iniciar o uso de um novo controle.
Desvantagens:
Podem não refletir as condições reais do laboratório;
Não consideram particularidades do equipamento ou operador.
Especificações de Qualidade Interna (Laboratório-Dependente)
O laboratório pode determinar sua própria média e SD com base nos resultados históricos (por exemplo, 20 medições consecutivas em condições normais).
Vantagens:
Refletem melhor a rotina real do laboratório;
Maior sensibilidade para detecção de falhas locais.
Recomendação: Sempre que possível, utilizar valores internos validados, e revisar periodicamente os parâmetros. As especificações devem ser coerentes com critérios como a TEa – Erro Total Aceitável, preconizado por instituições como CLIA, Rilibäk, ou sociedades científicas específicas (por exemplo, a SBPC/ML para laboratórios brasileiros).
Importância da Qualificação da Equipe
A correta interpretação das regras exige conhecimento técnico e capacitação contínua dos profissionais. Cursos, treinamentos e avaliação periódica são essenciais para garantir um sistema de CQI robusto (SILVA; ARAÚJO, 2020).
Impactos Clínicos da Não Conformidade
Erros laboratoriais, mesmo pequenos, podem levar a diagnósticos incorretos, tratamentos inadequados e riscos ao paciente. Assim, o CQI bem implementado é também uma ferramenta de segurança do paciente.
Conclusão
O controle de qualidade interno é indispensável para a confiabilidade dos resultados laboratoriais. As regras de Westgard são ferramentas eficazes para detecção precoce de falhas, desde que corretamente aplicadas. A resposta rápida às não conformidades, aliada à qualificação da equipe, compõe uma cultura de qualidade indispensável nos laboratórios clínicos.
Referências (formato ABNT)
BERTOLUCCI, M.; REIS, M. A.; LOPES, A. C. Controle de qualidade em análises clínicas: fundamentos e aplicações. São Paulo: MedBook, 2016.
PEREIRA, R. G. et al. Avaliação de desempenho analítico: revisão sobre o uso das regras de Westgard. Revista Brasileira de Análises Clínicas, v. 45, n. 2, p. 121–129, 2013.
SILVA, D. M.; ARAÚJO, M. F. Educação continuada e controle da qualidade em laboratório clínico: revisão integrativa. Revista de Ciências da Saúde do Norte e Nordeste, v. 7, n. 1, p. 95–105, 2020.
WESTGARD, J. O. Basic QC Practices. 4. ed. Madison: Westgard QC, Inc., 2011.
CLSI - Clinical and Laboratory Standards Institute. C24-A3: Statistical Quality Control for Quantitative Measurements: Principles and Definitions. Wayne, PA: CLSI, 2006.
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