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O uso do teste de Qui-Quadrado na Garantia da Qualidade e Validação de Exames Laboratoriais

A estatística desempenha papel fundamental na validação e controle de qualidade de exames laboratoriais, sendo essencial para assegurar a confiabilidade e a reprodutibilidade dos resultados fornecidos aos profissionais da saúde. No contexto laboratorial, testes como o qui-quadrado são particularmente úteis para avaliar a relação entre variáveis categóricas, como presença ou ausência de doenças, resultados positivos ou negativos em exames, entre outros.

De acordo com Callegari-Jacques (2003), o teste de qui-quadrado (χ²) permite verificar se as frequências observadas em uma amostra diferem significativamente das frequências esperadas sob uma determinada hipótese. Esse método é amplamente utilizado em estudos de associação, em testes de adesão e na verificação da independência entre fatores.


FUNDAMENTOS TEÓRICOS DO TESTE DE QUI-QUADRADO


Definição e Origem

O teste de qui-quadrado foi desenvolvido por Karl Pearson no final do século XIX, sendo um dos primeiros testes estatísticos formalmente definidos. Seu uso é apropriado quando os dados são categóricos, ou seja, classificados em categorias mutuamente exclusivas.

O cálculo do teste de qui-quadrado é baseado na fórmula:

Onde:

  • Oi​ é a frequência observada,

  • Ei​ é a frequência esperada para cada categoria.

Segundo Bussab e Morettin (2017), o valor do teste segue uma distribuição qui-quadrado com k−1 graus de liberdade, sendo o número de categorias avaliadas.


Gráfico da distribuição qui-quadrado cumulativa para valores de k = {1, 2, 3, 4, 6, 9}.
Gráfico da distribuição qui-quadrado cumulativa para valores de k = {1, 2, 3, 4, 6, 9}. Fonte: PEZZULLO, John C. Chi-square cdf. Wikimedia Commons, 20 fev. 2008. Continuação: ver ref. 6.


Premissas

Para a aplicação correta do teste de qui-quadrado, é necessário que:

  • As observações sejam independentes;

  • As frequências esperadas sejam superiores a 5 em pelo menos 80% das células;

  • A variável em questão seja categórica;

  • A amostra seja aleatória.


Comparação do Teste de Qui-Quadrado com Outros Métodos Estatísticos

O teste de qui-quadrado (χ²) é uma ferramenta específica para a análise de variáveis categóricas, mas não é o único recurso estatístico aplicável a essa finalidade. Sua escolha depende do tipo de dado, da estrutura da amostra e do objetivo da análise.

Diferenças principais entre o qui-quadrado e outros testes comuns:

Teste Estatístico

Tipo de Variável

Objetivo

Quando Utilizar

Qui-Quadrado (χ²)

Categórica (nominal ou ordinal)

Verificar associação entre variáveis; aderência

Tabelas de contingência, testes de independência

Teste t de Student

Contínua

Comparar médias de dois grupos

Grupos independentes com distribuição normal

ANOVA (Análise de Variância)

Contínua

Comparar médias de três ou mais grupos

Grupos independentes, variância homogênea

Teste Exato de Fisher

Categórica

Associações em amostras pequenas

Quando frequências esperadas < 5

Correlação de Pearson/Spearman

Contínua ou ordinal

Avaliar correlação entre variáveis

Relação linear (Pearson) ou monotônica (Spearman)

Regressão Logística

Categórica binária (variável dependente)

Estimar probabilidade de ocorrência de evento

Quando se deseja controlar múltiplas variáveis

Assim, o teste de qui-quadrado é preferido quando se deseja avaliar a associação entre duas variáveis categóricas, principalmente em grandes amostras, enquanto outras técnicas são mais apropriadas para variáveis contínuas ou relações mais complexas.


Critérios para Utilização Adequada do Teste de Qui-Quadrado

Apesar de sua simplicidade, o uso adequado do teste de qui-quadrado exige a observância de alguns critérios essenciais:

  1. Natureza Categórica dos Dados: O teste é indicado apenas para variáveis qualitativas, como sexo (masculino/feminino), resultado (positivo/negativo), tipo de amostra (sangue/saliva), entre outros.

  2. Independência das Observações: Cada observação deve ser independente das demais. A presença de dados emparelhados ou dependentes viola essa premissa.

  3. Tamanho da Amostra: A maioria dos autores recomenda que pelo menos 80% das células da tabela de contingência tenham frequência esperada ≥ 5. Quando esse critério não é atendido, recomenda-se o uso do teste exato de Fisher.

  4. Objetivo da Análise:

    • Teste de Independência: Verifica se duas variáveis categóricas estão associadas.

    • Teste de Aderência: Compara a distribuição observada com uma distribuição teórica (por exemplo, distribuição esperada segundo proporções populacionais conhecidas).

  5. Grau de Liberdade Adequado: O número de graus de liberdade afeta a interpretação dos valores críticos e deve ser corretamente calculado com base no número de categorias.

Segundo Callegari-Jacques (2003), negligenciar essas condições pode levar a interpretações incorretas e resultados inválidos.


VALIDAÇÃO DE EXAMES: CONCEITOS E APLICAÇÕES

A validação de exames laboratoriais é o processo pelo qual se comprova que um método de teste é adequado para seu propósito. Inclui verificações de precisão, exatidão, sensibilidade, especificidade e reprodutibilidade.

Segundo a ANVISA (2010), os métodos laboratoriais devem ser validados antes de sua implementação clínica, utilizando parâmetros estatísticos robustos que assegurem sua confiabilidade.

A utilização do teste de qui-quadrado nesse contexto permite verificar se há diferença significativa entre os resultados de exames em populações distintas, ou se os resultados obtidos estão conforme padrões esperados.


USO DO TESTE DE QUI-QUADRADO EM CONTROLE DE QUALIDADE LABORATORIAL


Monitoramento da Frequência de Resultados

Em exames qualitativos, como testes rápidos (por exemplo, testes de HIV, COVID-19 ou Influenza A/B), é comum classificar os resultados como “positivo” ou “negativo”. O teste de qui-quadrado pode ser usado para comparar esses resultados com padrões estabelecidos ou entre diferentes lotes de reagentes.

Por exemplo, se em determinado período é observado um aumento anômalo no número de resultados positivos, o teste de qui-quadrado pode verificar se essa mudança é estatisticamente significativa ou atribuível ao acaso.


Comparação entre Métodos Diagnósticos

Em estudos de validação, muitas vezes dois métodos distintos são comparados (por exemplo, ELISA vs. PCR). O teste de qui-quadrado pode ser aplicado a uma tabela de contingência 2x2 para verificar se há concordância significativa entre os métodos.

Segundo Medronho et al. (2009), essa abordagem é eficaz para avaliar a concordância qualitativa entre métodos diagnósticos, embora seja recomendado o uso complementar do coeficiente kappa.



LIMITAÇÕES DO TESTE DE QUI-QUADRADO

Embora seja uma ferramenta poderosa, o teste de qui-quadrado apresenta limitações:

  • Não é apropriado para amostras pequenas com frequências esperadas < 5;

  • Pode ser influenciado por desvios leves em grandes amostras (detecta diferenças pequenas como significativas);

  • Não fornece medidas de força de associação, apenas sua existência.

Por isso, é comum utilizar medidas complementares como o odds ratio, coeficiente de contingência, ou kappa (Altman, 1991).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O teste de qui-quadrado é uma ferramenta estatística indispensável na avaliação da qualidade e validação de exames laboratoriais. Sua aplicação adequada permite identificar inconsistências, validar métodos diagnósticos e controlar variações entre lotes e populações. Contudo, deve ser utilizado com consciência de suas premissas e limitações, e preferencialmente em conjunto com outras medidas estatísticas.

A estatística aplicada à saúde é um campo dinâmico e essencial para a melhoria contínua da prática clínica e laboratorial, contribuindo para a tomada de decisões baseadas em evidências.


REFERÊNCIAS

  1. ALTMAN, D. G. Practical statistics for medical research. London: Chapman and Hall, 1991.

  2. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Validação de métodos analíticos: RDC n.º 166/2017. Brasília, 2017.

  3. BUSSAB, W. O.; MORETTIN, P. A. Estatística Básica. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

  4. CALLEGARI-JACQUES, S. M. Bioestatística: princípios e aplicações. Porto Alegre: Artmed, 2003.

  5. MEDRONHO, R. A. et al. Epidemiologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2009.

  6. PEZZULLO, John C. Chi-square cdf. Wikimedia Commons, 20 fev. 2008. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Chi-square_cdf.svg. Acesso em: 21 jul. 2025.

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