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Avaliação de Risco em Laboratórios: Uma Abordagem Técnica Baseada em Normas Reguladoras

Atualizado: 6 de jun.

Ambientes laboratoriais apresentam riscos significativos à saúde e à segurança dos trabalhadores e do meio ambiente. Estes riscos variam conforme o tipo de laboratório (químico, biológico, físico, clínico, entre outros), os agentes manipulados, os equipamentos utilizados e os procedimentos operacionais adotados.

A avaliação de riscos consiste na identificação dos perigos, análise das consequências e probabilidade associadas, e definição de medidas preventivas ou corretivas. Trata-se de um processo contínuo, que visa à minimização de acidentes e à promoção da saúde ocupacional, conforme preconizado pela Norma Regulamentadora nº 32 (NR-32) do Ministério do Trabalho e Emprego, e normas da ABNT.



Conceitos Fundamentais


Perigo e Risco

Segundo a ISO 45001:2018, perigo é uma fonte com potencial para causar lesões ou danos à saúde. Já o risco é a combinação da probabilidade de ocorrência de um evento perigoso com a gravidade das consequências.


Avaliação de Risco

De acordo com a ISO 31000:2018, a avaliação de risco envolve três etapas principais:

  1. Identificação de perigos

  2. Análise de risco

  3. Avaliação de risco propriamente dita

A NR-01, atualizada em 2020, introduziu a obrigatoriedade do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), que substitui o antigo PPRA da NR-09.



Identificação de Perigos em Laboratórios

A primeira etapa da avaliação de risco é a identificação de perigos. Nos laboratórios, podem ser classificados em:

Agentes Químicos

  • Produtos corrosivos (ácido clorídrico, hidróxido de sódio)

  • Substâncias inflamáveis (éter, álcool)

  • Reativos tóxicos ou cancerígenos (benzeno, formaldeído)

Referência normativa: NR-32, item 32.3.4; NR-15, Anexo 11; ISO 45001, seção 6.1.2.1

Agentes Biológicos

  • Bactérias, vírus, fungos e parasitas manipulados em laboratórios clínicos

  • Riscos de contaminação cruzada

Referência: NR-32, item 32.2.4; Portaria MS nº 1.823/2012 – Classificação de riscos biológicos

Riscos Físicos

  • Radiações ionizantes (laboratórios de imagem)

  • Ruído excessivo (centrífugas)

  • Temperaturas extremas (fornos, autoclaves)

Referência: NR-15, Anexos 5 e 8; CNEN-NE-3.01 (radiações)

Riscos Ergonômicos

  • Postura inadequada em bancadas

  • Esforço repetitivo em pipetagens

Referência: NR-17; ISO 45001, seção 6.1.2.1

Riscos Mecânicos e Elétricos

  • Equipamentos energizados

  • Riscos de esmagamento, cortes, queimaduras

Referência: NR-10 (segurança em instalações elétricas); NR-12 (segurança em máquinas)


Análise e Avaliação dos Riscos

A análise e avaliação dos riscos consiste em compreender a magnitude dos riscos identificados e decidir sobre sua aceitabilidade ou necessidade de controle. Este processo considera:

  • A probabilidade (frequência) de ocorrência do evento perigoso;

  • A gravidade (impacto) das consequências, caso ocorra;

  • A exposição dos trabalhadores ao perigo;

  • A efetividade das medidas de controle já existentes;

Esse processo é amparado por normas como a ISO 31000:2018 (Gestão de Riscos – Diretrizes), ISO 45001:2018, e NR-01 (GRO/PGR).


Etapas da Análise de Risco

Conforme a ISO 31000, a análise de risco pode ser dividida em três subetapas:


Análise da Probabilidade

É estimada a chance de o risco se concretizar. Pode ser classificada qualitativamente, como:

Classificação

Descrição

Rara

Pouco provável de acontecer

Possível

Pode ocorrer em situações específicas

Provável

Acontece com frequência moderada

Frequente

Acontece regularmente

Certa

Praticamente inevitável

Referência: ISO 31000:2018, seção 6.4.3; NR-01, Anexo I

Análise da Severidade (Gravidade)

Define o impacto do evento, caso ocorra. Exemplos de classificações:

Nível

Descrição

Leve

Danos mínimos, sem afastamento

Moderado

Afastamento temporário, danos reversíveis

Grave

Danos permanentes, risco à vida

Catastrófico

Morte ou múltiplos óbitos, impacto ambiental severo

Nível de Exposição

Conforme a NR-01, o grau de exposição deve ser considerado, principalmente para riscos ocupacionais. Fatores avaliados:

  • Tempo de exposição

  • Frequência da atividade

  • Quantidade ou intensidade do agente perigoso

  • População exposta (número de trabalhadores)

Referência: NR-01, item 1.5.4.3; ISO 45001, seção 6.1.2

Métodos de Avaliação de Riscos

Existem diferentes metodologias que podem ser utilizadas para avaliar os riscos em laboratórios:


Matriz de Risco (Qualitativa)

Ferramenta amplamente usada, combina probabilidade x severidade para gerar um índice de risco:

Probabilidade ↓ / Severidade →

Leve

Moderada

Grave

Catastrófica

Rara

1

2

3

4

Possível

2

4

6

8

Provável

3

6

9

12

Frequente

4

8

12

16

Certa

5

10

15

20

Com base na pontuação, os riscos são categorizados:

  • 1 a 4: Aceitável – monitoramento

  • 5 a 8: Moderado – requer ação preventiva

  • 9 a 14: Alto – requer ação corretiva imediata

  • 15 a 20: Inaceitável – eliminar ou substituir imediatamente

Referência: ISO 31000; NR-01, Anexo I; NBR ISO 45001, seção 6.1.2.2

Método de Pontuação (Semi-quantitativo)

Exemplo: o Método FMEA (Failure Mode and Effects Analysis), que calcula o RPN (Risk Priority Number):

RPN = Severidade × Ocorrência × Detecção

  • Valores de 1 a 10 para cada fator

  • Quanto maior o RPN, mais prioritária é a ação corretiva

Aplicável para análises mais complexas ou projetos de melhoria contínua


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Método de Bowtie (Diagrama de Gravata Borboleta)

Visualiza os eventos causadores e as consequências de um risco central. Auxilia a definir barreiras de prevenção e mitigação.

Muito usado em setores industriais e laboratórios de grande porte

Método HACCP (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle)

Apesar de mais comum em laboratórios de alimentos, pode ser adaptado para outros contextos laboratoriais. Foca na prevenção de falhas em processos críticos.


Avaliação da Aceitabilidade do Risco

Com base nos métodos acima, os riscos são classificados:

  • Aceitável: Não exige medidas adicionais, mas deve ser monitorado

  • Tolerável: Pode ser aceito sob controle, mas exige revisão periódica

  • Inaceitável: Requer intervenção imediata (eliminação, substituição ou controle rigoroso)

Referência: NR-01, item 1.5.4.3.3; ISO 45001, seção 6.1.2.2

Exemplos Aplicados à Realidade de Laboratórios


Exemplo 1: Manipulação de Ácido Perclórico

  • Probabilidade: Possível (manipulação semanal)

  • Gravidade: Catastrófica (risco de explosão)

  • Exposição: 2 técnicos diretamente envolvidos

Risco Alto (15 pontos)

Ação recomendada: Implementar capela específica para perclóricos com sistema de exaustão própria (ABNT NBR 14518), substituição de procedimento ou treinamento rigoroso.


Exemplo 2: Uso de centrífuga sem tampa de segurança

  • Probabilidade: Frequente

  • Gravidade: Moderada

  • Risco estimado: 8 (moderado)

Ação: Instalação de tampas de contenção, POP de operação, treinamento de usuários


Exemplo 3: Transporte de reagentes corrosivos em carrinho aberto

  • Probabilidade: Provável

  • Gravidade: Grave

  • Risco: 12 (alto)

Ação: Uso de carrinhos fechados com contenção secundária, revisão de procedimento de transporte, EPIs específicos.


Reavaliação e Monitoramento dos Riscos

A avaliação de riscos não é um evento pontual, mas um ciclo contínuo, que deve ser revisado:

  • Periodicamente (mínimo anual, conforme NR-32)

  • Após incidentes ou quase-acidentes

  • Quando houver mudanças em processos, layouts, substâncias ou equipamentos

Referência: ISO 45001, seção 10.2 (melhoria contínua); NR-01, item 1.5.4.6

Controle de Riscos: Medidas Técnicas e Administrativas

Após a avaliação e categorização dos riscos, o próximo passo é definir e implementar controles eficazes, conforme os princípios da hierarquia de controle de riscos, estabelecida na ABNT NBR ISO 45001:2018 (Seção 8.1.2) e pela NR-01 (item 1.5.5.1.1).

Essa hierarquia determina a ordem de prioridade na escolha das medidas de controle:


Hierarquia de Controles:

  1. Eliminação

  2. Substituição

  3. Medidas de Engenharia

  4. Controles Administrativos

  5. Equipamentos de Proteção Individual (EPIs)

A seguir, detalhamos cada nível com respaldo normativo e exemplos reais.


Eliminação

A eliminação consiste em remover completamente o risco da atividade. É a medida mais eficaz, mas nem sempre aplicável.


Exemplos:

  • Retirar da rotina reagentes proibidos ou obsoletos (ex: éter etílico, mercúrio metálico).

  • Descontinuar procedimentos perigosos em favor de tecnologias automatizadas (ex: eliminar preparo manual de soluções ácidas concentradas, usando kits prontos).

  • Encerrar o uso de centrífugas sem sensores de desequilíbrio, que podem gerar acidentes mecânicos.

Referência normativa: NR-01, item 1.5.5.1.1, alínea “a”; ISO 45001, seção 8.1.2.2 (eliminação do perigo)

Substituição

Quando a eliminação não for possível, busca-se substituir o perigo por alternativa menos agressiva.


Exemplos:

  • Substituir o formaldeído (cancerígeno) por fixadores não tóxicos em laboratórios de histologia.

  • Trocar ácido crômico (altamente tóxico e poluente) por detergentes enzimáticos para limpeza de vidrarias.

  • Substituir éter por álcoois menos voláteis e inflamáveis.

Referência normativa: NR-32, item 32.3.4.6; ISO 45001, seção 8.1.2.2

Medidas de Engenharia (Controles Coletivos)

São modificações no ambiente físico, nos equipamentos ou nos processos que isolam ou minimizam a exposição aos perigos.


Exemplos:

Situação de Risco

Medida de Engenharia

Norma de Referência

Vapores tóxicos de solventes voláteis

Instalação de capelas de exaustão química

ABNT NBR 14518

Manipulação de material biológico

Uso de cabines de segurança biológica (Classe II)

NR-32, item 32.2.4.7; RDC 50/2002

Risco de choque elétrico

Instalação de dispositivos DR e aterramento

NR-10

Risco de incêndio

Instalação de detecção automática e extintores adequados

ABNT NBR 13434, NR-23

Resíduos perigosos

Coletas segregadas, sistemas de autoclavagem e armazenamento seguro

RDC 222/2018 (Resíduos de Serviços de Saúde)

Radiações ionizantes

Barreiras de chumbo e dosímetros individuais

CNEN-NE 3.01

Calor de fornos e autoclaves

Isolamento térmico e ventilação forçada

NR-15, Anexo 3

⚙️Esses controles atuam diretamente na fonte do risco ou no ambiente.

Controles Administrativos

São medidas baseadas na organização do trabalho, rotinas, procedimentos e treinamentos, voltadas à redução da exposição.


Exemplos:

Controle Administrativo

Aplicação no Laboratório

Procedimentos Operacionais Padrão (POPs)

Instruções detalhadas para pesagens, manipulação de ácidos, descarte de reagentes

Escalonamento de tarefas perigosas

Separar por turno atividades de risco para evitar concentração de perigos

Sinalização de segurança

Uso de etiquetas GHS, pictogramas, rotulagem padronizada

Checklists de inspeção

Rotina semanal de verificação de equipamentos de proteção coletiva

Controle de acesso

Restrição ao laboratório de biossegurança nível 2 a pessoal autorizado

Avaliações médicas periódicas

Para trabalhadores expostos a agentes químicos e biológicos

Referência: NR-32, item 32.2.4.14; NR-01, item 1.5.5.1.1; ISO 45001, seção 7.2 e 8.1.3

Equipamentos de Proteção Individual (EPIs)

Constituem a última linha de defesa. Devem ser utilizados apenas quando os controles anteriores forem insuficientes.


Exemplos:

Risco

EPI recomendado

Manipulação de ácidos

Avental impermeável, luvas nitrílicas, protetor facial

Material biológico

Luvas descartáveis, máscara N95, óculos de proteção

Produtos voláteis ou alergênicos

Respirador com filtro químico, avental de manga longa

Risco mecânico (ex: centrífugas)

Protetores faciais, luvas anticorte

Risco térmico (autoclave, mufla)

Luvas térmicas, avental aluminizado

🛡️ EPIs devem ter CA (Certificado de Aprovação), conforme NR-06, e ser fornecidos gratuitamente para o funcionário.
Referência normativa: NR-06; NR-32, item 32.2.4.10; ISO 45001, seção 8.1.4.2

Exemplos Práticos de Implementação Combinada (Controle Integrado)

Exemplo 1: Laboratório de Microbiologia com Risco de Aerossóis

  • Perigo: Aerossóis de bactérias patogênicas (Ex: Salmonella, E. coli)

  • Controles aplicados:

    • Engenharia: cabine de segurança biológica classe II

    • Administrativo: POPs para abertura de tubos e descarte

    • EPIs: máscara N95, jaleco de mangas longas, luvas


Exemplo 2: Laboratório de Química Analítica

  • Perigo: Emissão de vapores tóxicos durante reações com ácidos fortes

  • Controles:

    • Engenharia: capela de exaustão

    • Substituição: uso de métodos com reagentes menos perigosos

    • EPI: luvas nitrílicas, óculos de segurança, jaleco impermeável


Exemplo 3: Laboratório de Ensino com Alta Rotatividade de Usuários

  • Perigo: Contaminação cruzada, uso incorreto de equipamentos

  • Controles:

    • Administrativo: treinamentos prévios obrigatórios

    • Engenharia: bancadas com divisórias, sistema de biossegurança visual

    • EPI: distribuição controlada de materiais com checklist


Monitoramento da Eficácia dos Controles

Após a implementação dos controles, é obrigatória a verificação da sua eficácia, com base em indicadores como:

  • Taxa de acidentes/incidentes

  • Relatórios de quase-acidentes

  • Auditorias internas de segurança

  • Inspeções periódicas

  • Resultados de monitoramento ambiental e biológico

Referência: NR-01, item 1.5.4.6; ISO 45001, seção 9.1

Integração com o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR)

Todas as medidas implementadas devem ser registradas no Inventário de Riscos e no PGR, documento obrigatório conforme a NR-01:

  • Descrever o risco, sua classificação e controles aplicados

  • Incluir plano de ação com responsáveis e prazos

  • Revisar após qualquer alteração no processo


Documentação da Avaliação de Risco

A documentação é um requisito crítico. O inventário de riscos, conforme exigido pela NR-01, deve conter:

  • Descrição dos perigos

  • Avaliação de riscos

  • Medidas de controle existentes

  • Plano de ação

Referência: NR-01, Anexo I e II; ISO 45001, seção 7.5; ISO 17025, seção 8.4

A manutenção de registros deve ser periódica e auditável.


Treinamento e Cultura de Segurança

A formação e capacitação contínua dos trabalhadores é essencial. Conforme a NR-32, o treinamento deve ocorrer:

  • No momento da admissão

  • Periodicamente (mínimo anual)

  • Sempre que houver mudança de processo ou introdução de novos riscos

Referência: NR-32, item 32.2.4.15; ISO 45001, seção 7.2

Conclusão

A avaliação de riscos em laboratórios deve ser tratada como um processo sistemático, contínuo e participativo, envolvendo todos os níveis da organização. Com base nas normas técnicas nacionais e internacionais, é possível construir um ambiente seguro, eficiente e em conformidade legal.

O uso de ferramentas como a matriz de risco, aliadas à documentação clara e treinamentos constantes, promove uma cultura de segurança robusta. O envolvimento da gestão é determinante para a efetividade do programa de avaliação de riscos.


Referências Bibliográficas

  • Ministério do Trabalho e Emprego – NR-01, NR-09, NR-10, NR-12, NR-15, NR-17, NR-32

  • ABNT NBR ISO/IEC 17025:2017 – Requisitos gerais para a competência de laboratórios de ensaio e calibração

  • ABNT NBR ISO 45001:2018 – Sistema de gestão de saúde e segurança ocupacional

  • ABNT NBR ISO 31000:2018 – Gestão de riscos – Diretrizes

  • ANVISA RDC nº 50/2002 – Regulamento técnico para planejamento físico de estabelecimentos de saúde

  • Portaria MS nº 1.823/2012 – Diretrizes para classificação de risco biológico

  • CNEN-NE-3.01 – Diretrizes para segurança com radiações ionizantes

  • IBAMA IN nº 5/2008 – Transporte de produtos perigosos

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