Avaliação de Risco em Laboratórios: Uma Abordagem Técnica Baseada em Normas Reguladoras
- Carlos Wallace
- 19 de mai.
- 8 min de leitura
Atualizado: 6 de jun.

Ambientes laboratoriais apresentam riscos significativos à saúde e à segurança dos trabalhadores e do meio ambiente. Estes riscos variam conforme o tipo de laboratório (químico, biológico, físico, clínico, entre outros), os agentes manipulados, os equipamentos utilizados e os procedimentos operacionais adotados.
A avaliação de riscos consiste na identificação dos perigos, análise das consequências e probabilidade associadas, e definição de medidas preventivas ou corretivas. Trata-se de um processo contínuo, que visa à minimização de acidentes e à promoção da saúde ocupacional, conforme preconizado pela Norma Regulamentadora nº 32 (NR-32) do Ministério do Trabalho e Emprego, e normas da ABNT.
Conceitos Fundamentais
Perigo e Risco
Segundo a ISO 45001:2018, perigo é uma fonte com potencial para causar lesões ou danos à saúde. Já o risco é a combinação da probabilidade de ocorrência de um evento perigoso com a gravidade das consequências.
Avaliação de Risco
De acordo com a ISO 31000:2018, a avaliação de risco envolve três etapas principais:
Identificação de perigos
Análise de risco
Avaliação de risco propriamente dita
A NR-01, atualizada em 2020, introduziu a obrigatoriedade do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), que substitui o antigo PPRA da NR-09.
Identificação de Perigos em Laboratórios
A primeira etapa da avaliação de risco é a identificação de perigos. Nos laboratórios, podem ser classificados em:
Agentes Químicos
Produtos corrosivos (ácido clorídrico, hidróxido de sódio)
Substâncias inflamáveis (éter, álcool)
Reativos tóxicos ou cancerígenos (benzeno, formaldeído)
Referência normativa: NR-32, item 32.3.4; NR-15, Anexo 11; ISO 45001, seção 6.1.2.1
Agentes Biológicos
Bactérias, vírus, fungos e parasitas manipulados em laboratórios clínicos
Riscos de contaminação cruzada
Referência: NR-32, item 32.2.4; Portaria MS nº 1.823/2012 – Classificação de riscos biológicos
Riscos Físicos
Radiações ionizantes (laboratórios de imagem)
Ruído excessivo (centrífugas)
Temperaturas extremas (fornos, autoclaves)
Referência: NR-15, Anexos 5 e 8; CNEN-NE-3.01 (radiações)
Riscos Ergonômicos
Postura inadequada em bancadas
Esforço repetitivo em pipetagens
Referência: NR-17; ISO 45001, seção 6.1.2.1
Riscos Mecânicos e Elétricos
Equipamentos energizados
Riscos de esmagamento, cortes, queimaduras
Referência: NR-10 (segurança em instalações elétricas); NR-12 (segurança em máquinas)
Análise e Avaliação dos Riscos
A análise e avaliação dos riscos consiste em compreender a magnitude dos riscos identificados e decidir sobre sua aceitabilidade ou necessidade de controle. Este processo considera:
A probabilidade (frequência) de ocorrência do evento perigoso;
A gravidade (impacto) das consequências, caso ocorra;
A exposição dos trabalhadores ao perigo;
A efetividade das medidas de controle já existentes;
Esse processo é amparado por normas como a ISO 31000:2018 (Gestão de Riscos – Diretrizes), ISO 45001:2018, e NR-01 (GRO/PGR).
Etapas da Análise de Risco
Conforme a ISO 31000, a análise de risco pode ser dividida em três subetapas:
Análise da Probabilidade
É estimada a chance de o risco se concretizar. Pode ser classificada qualitativamente, como:
Classificação | Descrição |
Rara | Pouco provável de acontecer |
Possível | Pode ocorrer em situações específicas |
Provável | Acontece com frequência moderada |
Frequente | Acontece regularmente |
Certa | Praticamente inevitável |
Referência: ISO 31000:2018, seção 6.4.3; NR-01, Anexo I
Análise da Severidade (Gravidade)
Define o impacto do evento, caso ocorra. Exemplos de classificações:
Nível | Descrição |
Leve | Danos mínimos, sem afastamento |
Moderado | Afastamento temporário, danos reversíveis |
Grave | Danos permanentes, risco à vida |
Catastrófico | Morte ou múltiplos óbitos, impacto ambiental severo |
Nível de Exposição
Conforme a NR-01, o grau de exposição deve ser considerado, principalmente para riscos ocupacionais. Fatores avaliados:
Tempo de exposição
Frequência da atividade
Quantidade ou intensidade do agente perigoso
População exposta (número de trabalhadores)
Referência: NR-01, item 1.5.4.3; ISO 45001, seção 6.1.2
Métodos de Avaliação de Riscos
Existem diferentes metodologias que podem ser utilizadas para avaliar os riscos em laboratórios:
Matriz de Risco (Qualitativa)
Ferramenta amplamente usada, combina probabilidade x severidade para gerar um índice de risco:
Probabilidade ↓ / Severidade → | Leve | Moderada | Grave | Catastrófica |
Rara | 1 | 2 | 3 | 4 |
Possível | 2 | 4 | 6 | 8 |
Provável | 3 | 6 | 9 | 12 |
Frequente | 4 | 8 | 12 | 16 |
Certa | 5 | 10 | 15 | 20 |
Com base na pontuação, os riscos são categorizados:
1 a 4: Aceitável – monitoramento
5 a 8: Moderado – requer ação preventiva
9 a 14: Alto – requer ação corretiva imediata
15 a 20: Inaceitável – eliminar ou substituir imediatamente
Referência: ISO 31000; NR-01, Anexo I; NBR ISO 45001, seção 6.1.2.2
Método de Pontuação (Semi-quantitativo)
Exemplo: o Método FMEA (Failure Mode and Effects Analysis), que calcula o RPN (Risk Priority Number):
RPN = Severidade × Ocorrência × Detecção
Valores de 1 a 10 para cada fator
Quanto maior o RPN, mais prioritária é a ação corretiva
Aplicável para análises mais complexas ou projetos de melhoria contínua
Método de Bowtie (Diagrama de Gravata Borboleta)
Visualiza os eventos causadores e as consequências de um risco central. Auxilia a definir barreiras de prevenção e mitigação.
Muito usado em setores industriais e laboratórios de grande porte
Método HACCP (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle)
Apesar de mais comum em laboratórios de alimentos, pode ser adaptado para outros contextos laboratoriais. Foca na prevenção de falhas em processos críticos.
Avaliação da Aceitabilidade do Risco
Com base nos métodos acima, os riscos são classificados:
Aceitável: Não exige medidas adicionais, mas deve ser monitorado
Tolerável: Pode ser aceito sob controle, mas exige revisão periódica
Inaceitável: Requer intervenção imediata (eliminação, substituição ou controle rigoroso)
Referência: NR-01, item 1.5.4.3.3; ISO 45001, seção 6.1.2.2
Exemplos Aplicados à Realidade de Laboratórios
Exemplo 1: Manipulação de Ácido Perclórico
Probabilidade: Possível (manipulação semanal)
Gravidade: Catastrófica (risco de explosão)
Exposição: 2 técnicos diretamente envolvidos
→ Risco Alto (15 pontos)
→ Ação recomendada: Implementar capela específica para perclóricos com sistema de exaustão própria (ABNT NBR 14518), substituição de procedimento ou treinamento rigoroso.
Exemplo 2: Uso de centrífuga sem tampa de segurança
Probabilidade: Frequente
Gravidade: Moderada
Risco estimado: 8 (moderado)
→ Ação: Instalação de tampas de contenção, POP de operação, treinamento de usuários
Exemplo 3: Transporte de reagentes corrosivos em carrinho aberto
Probabilidade: Provável
Gravidade: Grave
Risco: 12 (alto)
→ Ação: Uso de carrinhos fechados com contenção secundária, revisão de procedimento de transporte, EPIs específicos.
Reavaliação e Monitoramento dos Riscos
A avaliação de riscos não é um evento pontual, mas um ciclo contínuo, que deve ser revisado:
Periodicamente (mínimo anual, conforme NR-32)
Após incidentes ou quase-acidentes
Quando houver mudanças em processos, layouts, substâncias ou equipamentos
Referência: ISO 45001, seção 10.2 (melhoria contínua); NR-01, item 1.5.4.6
Controle de Riscos: Medidas Técnicas e Administrativas
Após a avaliação e categorização dos riscos, o próximo passo é definir e implementar controles eficazes, conforme os princípios da hierarquia de controle de riscos, estabelecida na ABNT NBR ISO 45001:2018 (Seção 8.1.2) e pela NR-01 (item 1.5.5.1.1).
Essa hierarquia determina a ordem de prioridade na escolha das medidas de controle:
Hierarquia de Controles:
Eliminação
Substituição
Medidas de Engenharia
Controles Administrativos
Equipamentos de Proteção Individual (EPIs)
A seguir, detalhamos cada nível com respaldo normativo e exemplos reais.
Eliminação
A eliminação consiste em remover completamente o risco da atividade. É a medida mais eficaz, mas nem sempre aplicável.
Exemplos:
Retirar da rotina reagentes proibidos ou obsoletos (ex: éter etílico, mercúrio metálico).
Descontinuar procedimentos perigosos em favor de tecnologias automatizadas (ex: eliminar preparo manual de soluções ácidas concentradas, usando kits prontos).
Encerrar o uso de centrífugas sem sensores de desequilíbrio, que podem gerar acidentes mecânicos.
Referência normativa: NR-01, item 1.5.5.1.1, alínea “a”; ISO 45001, seção 8.1.2.2 (eliminação do perigo)
Substituição
Quando a eliminação não for possível, busca-se substituir o perigo por alternativa menos agressiva.
Exemplos:
Substituir o formaldeído (cancerígeno) por fixadores não tóxicos em laboratórios de histologia.
Trocar ácido crômico (altamente tóxico e poluente) por detergentes enzimáticos para limpeza de vidrarias.
Substituir éter por álcoois menos voláteis e inflamáveis.
Referência normativa: NR-32, item 32.3.4.6; ISO 45001, seção 8.1.2.2
Medidas de Engenharia (Controles Coletivos)
São modificações no ambiente físico, nos equipamentos ou nos processos que isolam ou minimizam a exposição aos perigos.
Exemplos:
Situação de Risco | Medida de Engenharia | Norma de Referência |
Vapores tóxicos de solventes voláteis | Instalação de capelas de exaustão química | ABNT NBR 14518 |
Manipulação de material biológico | Uso de cabines de segurança biológica (Classe II) | NR-32, item 32.2.4.7; RDC 50/2002 |
Risco de choque elétrico | Instalação de dispositivos DR e aterramento | NR-10 |
Risco de incêndio | Instalação de detecção automática e extintores adequados | ABNT NBR 13434, NR-23 |
Resíduos perigosos | Coletas segregadas, sistemas de autoclavagem e armazenamento seguro | RDC 222/2018 (Resíduos de Serviços de Saúde) |
Radiações ionizantes | Barreiras de chumbo e dosímetros individuais | CNEN-NE 3.01 |
Calor de fornos e autoclaves | Isolamento térmico e ventilação forçada | NR-15, Anexo 3 |
⚙️Esses controles atuam diretamente na fonte do risco ou no ambiente.
Controles Administrativos
São medidas baseadas na organização do trabalho, rotinas, procedimentos e treinamentos, voltadas à redução da exposição.
Exemplos:
Controle Administrativo | Aplicação no Laboratório |
Procedimentos Operacionais Padrão (POPs) | Instruções detalhadas para pesagens, manipulação de ácidos, descarte de reagentes |
Escalonamento de tarefas perigosas | Separar por turno atividades de risco para evitar concentração de perigos |
Sinalização de segurança | Uso de etiquetas GHS, pictogramas, rotulagem padronizada |
Checklists de inspeção | Rotina semanal de verificação de equipamentos de proteção coletiva |
Controle de acesso | Restrição ao laboratório de biossegurança nível 2 a pessoal autorizado |
Avaliações médicas periódicas | Para trabalhadores expostos a agentes químicos e biológicos |
Referência: NR-32, item 32.2.4.14; NR-01, item 1.5.5.1.1; ISO 45001, seção 7.2 e 8.1.3
Equipamentos de Proteção Individual (EPIs)
Constituem a última linha de defesa. Devem ser utilizados apenas quando os controles anteriores forem insuficientes.
Exemplos:
Risco | EPI recomendado |
Manipulação de ácidos | Avental impermeável, luvas nitrílicas, protetor facial |
Material biológico | Luvas descartáveis, máscara N95, óculos de proteção |
Produtos voláteis ou alergênicos | Respirador com filtro químico, avental de manga longa |
Risco mecânico (ex: centrífugas) | Protetores faciais, luvas anticorte |
Risco térmico (autoclave, mufla) | Luvas térmicas, avental aluminizado |
🛡️ EPIs devem ter CA (Certificado de Aprovação), conforme NR-06, e ser fornecidos gratuitamente para o funcionário.
Referência normativa: NR-06; NR-32, item 32.2.4.10; ISO 45001, seção 8.1.4.2
Exemplos Práticos de Implementação Combinada (Controle Integrado)
Exemplo 1: Laboratório de Microbiologia com Risco de Aerossóis
Perigo: Aerossóis de bactérias patogênicas (Ex: Salmonella, E. coli)
Controles aplicados:
Engenharia: cabine de segurança biológica classe II
Administrativo: POPs para abertura de tubos e descarte
EPIs: máscara N95, jaleco de mangas longas, luvas
Exemplo 2: Laboratório de Química Analítica
Perigo: Emissão de vapores tóxicos durante reações com ácidos fortes
Controles:
Engenharia: capela de exaustão
Substituição: uso de métodos com reagentes menos perigosos
EPI: luvas nitrílicas, óculos de segurança, jaleco impermeável
Exemplo 3: Laboratório de Ensino com Alta Rotatividade de Usuários
Perigo: Contaminação cruzada, uso incorreto de equipamentos
Controles:
Administrativo: treinamentos prévios obrigatórios
Engenharia: bancadas com divisórias, sistema de biossegurança visual
EPI: distribuição controlada de materiais com checklist
Monitoramento da Eficácia dos Controles
Após a implementação dos controles, é obrigatória a verificação da sua eficácia, com base em indicadores como:
Taxa de acidentes/incidentes
Relatórios de quase-acidentes
Auditorias internas de segurança
Inspeções periódicas
Resultados de monitoramento ambiental e biológico
Referência: NR-01, item 1.5.4.6; ISO 45001, seção 9.1
Integração com o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR)
Todas as medidas implementadas devem ser registradas no Inventário de Riscos e no PGR, documento obrigatório conforme a NR-01:
Descrever o risco, sua classificação e controles aplicados
Incluir plano de ação com responsáveis e prazos
Revisar após qualquer alteração no processo
Documentação da Avaliação de Risco
A documentação é um requisito crítico. O inventário de riscos, conforme exigido pela NR-01, deve conter:
Descrição dos perigos
Avaliação de riscos
Medidas de controle existentes
Plano de ação
Referência: NR-01, Anexo I e II; ISO 45001, seção 7.5; ISO 17025, seção 8.4
A manutenção de registros deve ser periódica e auditável.
Treinamento e Cultura de Segurança
A formação e capacitação contínua dos trabalhadores é essencial. Conforme a NR-32, o treinamento deve ocorrer:
No momento da admissão
Periodicamente (mínimo anual)
Sempre que houver mudança de processo ou introdução de novos riscos
Referência: NR-32, item 32.2.4.15; ISO 45001, seção 7.2
Conclusão
A avaliação de riscos em laboratórios deve ser tratada como um processo sistemático, contínuo e participativo, envolvendo todos os níveis da organização. Com base nas normas técnicas nacionais e internacionais, é possível construir um ambiente seguro, eficiente e em conformidade legal.
O uso de ferramentas como a matriz de risco, aliadas à documentação clara e treinamentos constantes, promove uma cultura de segurança robusta. O envolvimento da gestão é determinante para a efetividade do programa de avaliação de riscos.
Referências Bibliográficas
Ministério do Trabalho e Emprego – NR-01, NR-09, NR-10, NR-12, NR-15, NR-17, NR-32
ABNT NBR ISO/IEC 17025:2017 – Requisitos gerais para a competência de laboratórios de ensaio e calibração
ABNT NBR ISO 45001:2018 – Sistema de gestão de saúde e segurança ocupacional
ABNT NBR ISO 31000:2018 – Gestão de riscos – Diretrizes
ANVISA RDC nº 50/2002 – Regulamento técnico para planejamento físico de estabelecimentos de saúde
Portaria MS nº 1.823/2012 – Diretrizes para classificação de risco biológico
CNEN-NE-3.01 – Diretrizes para segurança com radiações ionizantes
IBAMA IN nº 5/2008 – Transporte de produtos perigosos
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