Caso Clínico #2 - Sepse Pulmonar com Injúria Miocárdica
- Carlos Wallace

- 27 de set.
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As infecções respiratórias em pacientes idosos frequentemente cursam com manifestações atípicas e resposta inflamatória atenuada, dificultando o diagnóstico precoce de sepse. A associação com injúria miocárdica secundária é um achado relevante, uma vez que a sepse pode induzir disfunção cardíaca transitória. A seguir, apresentamos um caso de paciente idosa com dispneia, pneumonia extensa e marcadores laboratoriais compatíveis com sepse e injúria miocárdica.
Relato do Caso
Paciente feminina, 87 anos, hipertensa, diabética, hipotireoidiana, com antecedente de tromboembolismo pulmonar em 2011. Admitida com dispneia em repouso, necessidade de oxigenoterapia por cateter nasal e relato de dor torácica mal definida iniciada no dia anterior, além de dispneia progressiva aos esforços nos últimos dias.
Ao exame físico apresenta bom estado geral, mucosas coradas e hidratadas, sem edema de membros inferiores, pressão venosa jugular plana, ritmo cardíaco regular e bulhas hipofonéticas. Ausculta pulmonar com estertores grosseiros em mais de 2/3 do hemitórax direito. Saturava com oxigenoterapia, apresentava FR 24-26 irpm, sem uso de musculatura acessória.
Exames laboratoriais e interpretação
Hemograma: leucócitos 5.086/µL (neutrófilos 64,6%), hemoglobina 12,2 g/dL, plaquetas 235.200/µL, VCM 102,6 fL (macrocitose discreta).
Bioquímica: ureia 58 mg/dL, creatinina 1,32 mg/dL, sódio 140 mEq/L, potássio 4,8 mEq/L.
Marcadores inflamatórios: PCR 10 mg/L.
Marcadores cardíacos: troponina 99,9 ng/L; NT-proBNP 17.800 pg/mL.
Gasometria arterial (com O₂ suplementar): pH 7,40; pCO₂ 47 mmHg; HCO₃⁻ 29 mmol/L; PaO₂ 164 mmHg; SO₂ 99%; lactato 1,5 mmol/L.
Dímero-D: 1.010 ng/mL.
Testes rápidos para Influenza A/B: não detectado.
Marcadores cardíacos
Troponina: 99,9 ng/L (elevada)
Comentário: Não há padrão de IAM típico no ECG, mas em sepse/inflamação pulmonar pode haver injúria miocárdica secundária (citocinas inflamatórias, hipóxia relativa, disfunção microvascular).BNP/NT-proBNP: 17.800 pg/mL (muito elevado)
Comentário: Indica estresse de parede ventricular. Em idosos e em contexto de sepse/pneumonia, pode estar elevado mesmo sem IC descompensada franca, mas aqui sugere sobrecarga cardíaca.
Integração: O conjunto troponina ↑ + BNP ↑ em paciente séptica é compatível com miocardiopatia séptica ou injúria miocárdica — não um IAM clássico, mas uma lesão funcional e transitória do miocárdio.Marcadores inflamatórios
PCR: 10 mg/L
Comentário: discretamente elevada. Poderia ser maior se fosse inflamação aguda, mas o idoso pode ter resposta inflamatória atenuada.Leucócitos: 5.086/µL (normais-baixos)
Comentário: Sem leucocitose, mas com neutrofilia relativa (64%). Idosos podem não desenvolver leucocitose expressiva em sepse → isso aumenta risco de subdiagnóstico.
Integração: Sugere um quadro infeccioso pulmonar com resposta inflamatória ineficiente (imunossenescência).Gasometria
pH: 7,40 (normal).
PCO₂: 47 mmHg (↑) + HCO₃⁻: 29 mmol/L (↑)
Comentário: Distúrbio compensado, tendência a acidose respiratória crônica compensada.PaO₂: 164 mmHg em O₂ por cateter nasal
Hipoxemia corrigida pela suplementação.Lactato: 1,5 mmol/L (normal)
Comentário: Sem choque séptico estabelecido.
Integração: Há insuficiência respiratória incipiente: retenção de CO₂ por comprometimento pulmonar (pneumonia extensa), mas sem acidose franca.Função renal e metabólica
Ureia: 58 mg/dL / Creatinina: 1,32 mg/dL → função renal limítrofe (ClCr estimado ~35-40 mL/min).
Comentário: Pode ser injúria renal inicial ou cronicidade. Importante monitorar na sepse.Na⁺: 140 / K⁺: 4,8 / Ca²⁺
Comentário: Normal → eletrólitos preservados.Hemograma
Hb 12,2 / Ht 35,6 → anemia leve normo/macro (VCM 102,6, macrocitose discreta).
Plaquetas 235 mil → normais (sem trombocitopenia séptica).
RDW 14,1 → discreta anisocitose.
Comentário: Não há pancitopenia ou plaquetopenia → sugere que ainda não evoluiu para sepse grave com disfunção hematológica.Conexão fisiopatológica
Foco pulmonar provável (pneumonia extensa em pulmão direito).
Resposta inflamatória presente, mas discreta → compatível com idoso séptico.
Injúria miocárdica: Troponina e BNP muito elevados sem IAM típico → cardiomiopatia séptica ou disfunção ventricular secundária.
Gasometria: início de falência respiratória tipo II (hipercápnica), ainda compensada.
Função renal: limítrofe, risco de LRA se instabilidade hemodinâmica ocorrer.
Exames complementares
ECG: alterações com repolarização ventricular inespecíficas em precordiais, sem taquicardia ou padrão S1Q3T3.
Discussão
A paciente apresentou quadro clínico e radiológico sugestivo de pneumonia extensa, configurando sepse de foco pulmonar. O laboratório confirmou resposta inflamatória discreta (PCR moderadamente elevada, leucócitos normais), achado comum em idosos pela imunossenescência.
A gasometria evidenciou retenção de CO₂ com compensação metabólica (pH normal), compatível com insuficiência respiratória incipiente. A função renal estava limítrofe, representando risco de injúria renal aguda em contexto de sepse.
Os marcadores cardíacos chamaram atenção: troponina elevada e NT-proBNP extremamente alto, na ausência de padrão de infarto no ECG. Esses achados sugerem injúria miocárdica secundária, provavelmente decorrente da sepse, hipóxia relativa e estresse de parede ventricular. Esse fenômeno é descrito como miocardiopatia séptica, caracterizada por disfunção transitória do miocárdio, aumento de biomarcadores e repercussões prognósticas importantes.
O dímero-D, discretamente elevado, pode refletir tanto a idade avançada quanto a ativação da coagulação na sepse, sem evidências claras de novo evento tromboembólico.
Conclusão
O caso evidencia a importância da integração entre achados clínicos e laboratoriais no diagnóstico de sepse em idosos. A presença de injúria miocárdica secundária reforça o valor prognóstico dos marcadores cardíacos, mesmo na ausência de IAM típico. A interpretação criteriosa de exames laboratoriais permitiu caracterizar um quadro de sepse pulmonar com repercussão cardíaca e risco de falência orgânica múltipla, justificando a internação hospitalar imediata.



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