Eventos Adversos e Disclosure: Transparência na Assistência à Saúde
- Carlos Wallace
- 26 de mar.
- 4 min de leitura
Os eventos adversos (EAs) na área da saúde representam um grande desafio para a segurança do paciente e para a gestão hospitalar. A transparência na comunicação desses eventos, por meio do processo de disclosure, tem sido cada vez mais incentivada para promover uma assistência mais segura e ética. É discutido a definição, impacto e estratégias de mitigação dos EAs, além da importância do disclosure na relação entre profissionais de saúde, pacientes e instituições.

Os eventos adversos (EAs) representam um dos principais desafios da segurança do paciente e da qualidade assistencial na área da saúde. São definidos como incidentes que resultam em dano não intencional ao paciente, sendo muitas vezes preveníveis por meio de práticas de gestão de risco e protocolos clínicos mais rigorosos. A ocorrência de EAs pode comprometer a confiança na relação entre profissionais de saúde e pacientes, além de gerar repercussões éticas e legais para as instituições.
Nesse contexto, o processo de disclosure, que se refere à comunicação transparente sobre eventos adversos, tem ganhado espaço como uma prática essencial para garantir a confiança e a ética na assistência. Estudos apontam que a adoção do disclosure melhora a relação entre pacientes e profissionais, reduz a judicialização da saúde e contribui para o aprimoramento dos processos de segurança (LEAPE et al., 1991; VINCENT et al., 2001).
Definição e Classificação dos Eventos Adversos
Os eventos adversos são incidentes que causam danos ao paciente como resultado direto da assistência prestada, e não da condição clínica subjacente (LEAPE et al., 1991). Eles podem ser classificados em:
Eventos evitáveis: Podem ser prevenidos com medidas adequadas de segurança e protocolos clínicos eficientes.
Eventos inevitáveis: Resultam de complicações inerentes à condição clínica do paciente, mesmo com uma assistência apropriada.
Eventos sentinela: Incidentes graves que resultam em morte, danos permanentes ou grande prejuízo ao paciente.
Epidemiologia e Impacto
Estudos apontam que a incidência de eventos adversos varia entre 4% e 17% das internações hospitalares (VINCENT et al., 2001). Além das implicações diretas para o paciente, esses eventos resultam em:
Aumento do tempo de internação;
Custos hospitalares elevados;
Maior risco de litígios e processos judiciais;
Impacto psicológico nos profissionais envolvidos;
Redução da confiança dos pacientes no sistema de saúde.
Definição e Princípios do Disclosure
O disclosure consiste na comunicação transparente sobre eventos adversos, permitindo que os pacientes sejam informados sobre o que ocorreu, quais medidas corretivas serão adotadas e como evitar que o problema se repita. Seus princípios incluem:
Comunicação clara e objetiva;
Expressão de empatia e responsabilidade;
Explicação das medidas corretivas e preventivas;
Acompanhamento contínuo do paciente e familiares.
Benefícios do Disclosure
Pesquisas indicam que a adoção do disclosure reduz processos judiciais, melhora a satisfação dos pacientes e contribui para um ambiente de maior confiança (WU et al., 1997). Além disso, promove a cultura de segurança dentro das instituições, tornando-as mais resilientes a falhas e incidentes adversos.
Desafios e Barreiras na Implementação
Apesar de seus benefícios, o disclosure enfrenta desafios significativos, como:
Medo de repercussões legais e institucionais;
Falta de preparo dos profissionais para comunicar eventos adversos;
Cultura punitiva nas organizações de saúde;
Resistência por parte da equipe assistencial em admitir erros.
Diretrizes Éticas
O Código de Ética Médica (CFM, 2018) recomenda a comunicação honesta sobre erros médicos. Normativas internacionais, como as diretrizes do Institute for Healthcare Improvement (IHI), reforçam a importância do disclosure como ferramenta essencial para a melhoria da qualidade assistencial.
Do ponto de vista legal, países como os EUA e o Canadá possuem regulamentações específicas que incentivam a comunicação aberta de eventos adversos (KACHALIA & STUDDERT, 2004). No Brasil, o direito à informação está previsto no Código de Defesa do Consumidor e na Resolução CFM n.º 2.217/2018.
Implementação do Disclosure
Para garantir que o disclosure seja eficaz, as instituições de saúde devem adotar medidas como:
Treinamento de profissionais: Capacitação contínua em comunicação empática, habilidades de mediação de conflitos e gestão de crises.
Desenvolvimento de políticas institucionais: Elaboração de diretrizes e fluxos operacionais claros para o disclosure.
Apoio aos profissionais envolvidos: Disponibilização de suporte psicológico, jurídico e administrativo aos profissionais de saúde.
Monitoramento e avaliação contínua: Implantação de indicadores de qualidade para medir o impacto do disclosure na segurança do paciente.
Criação de um ambiente livre de retaliação: Implementação de uma cultura de aprendizado com foco na melhoria contínua, ao invés da punição.
Uso de tecnologia: Sistemas eletrônicos de registro de eventos adversos para garantir rastreabilidade e análise aprofundada dos casos.
O disclosure representa um avanço na segurança do paciente ao promover a transparência e a confiança na relação entre profissionais de saúde e pacientes. A adoção dessa prática não apenas melhora a qualidade da assistência prestada, mas também contribui para a redução da judicialização na saúde e o fortalecimento da cultura de segurança. Para que sua implementação seja bem-sucedida, é necessário um compromisso institucional e uma mudança cultural dentro dos serviços de saúde.
Referências
LEAPE, L. L. et al. The Nature of Adverse Events in Hospitalized Patients. New England Journal of Medicine, v. 324, n. 6, p. 377-384, 1991.
VINCENT, C. et al. Adverse events in British hospitals: preliminary retrospective record review. BMJ, v. 322, p. 517-519, 2001.
WU, A. W. et al. Do House Officers Learn from Their Mistakes? JAMA, v. 277, n. 12, p. 1039-1044, 1997.
KACHALIA, A.; STUDDERT, D. M. Disclosing medical errors: the view from the USA. Surgery (Oxford), v. 22, n. 5, p. 322-326, 2004.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM). Código de Ética Médica. Resolução CFM n.º 2.217/2018, Brasília, 2018.
INSTITUTE FOR HEALTHCARE IMPROVEMENT (IHI). Communicating with Patients about Adverse Events. 2020.
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