Fatores que Alteram a Cor da Urina e Sua Implicância no Exame de Urina Tipo I (EAS)
- Carlos Wallace
- 5 de mai.
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A análise de urina tipo I, também chamada de EAS (elementos anormais do sedimento urinário), é um exame simples, não invasivo e altamente informativo para a avaliação do estado de saúde do paciente. Entre os parâmetros macroscópicos avaliados está a coloração da urina, uma variável muitas vezes subestimada, mas que pode indicar desde alterações benignas até sinais iniciais de patologias graves (PEREIRA et al., 2017).
A urina normal apresenta coloração amarelo-claro a âmbar, devido à presença de urocromo, um pigmento derivado da degradação da hemoglobina. No entanto, essa coloração pode variar amplamente em resposta a diversos fatores, tanto fisiológicos como patológicos ou iatrogênicos (MARQUES; SILVA, 2021).
Este artigo visa revisar os fatores que alteram a coloração da urina e discutir suas implicâncias na interpretação do EAS, destacando a importância da anamnese e do conhecimento prévio do profissional de saúde sobre as causas possíveis dessas alterações.
Aspectos Fisiológicos da Coloração Urinária
A coloração da urina é resultado da concentração e quantidade de pigmentos urinários, especialmente o urocromo, mas também a uroeritrina e a urobilina. Fatores fisiológicos podem influenciar diretamente essa coloração, como o estado de hidratação, dieta e prática de atividade física.
Hidratação
O estado de hidratação é o fator fisiológico mais comum a alterar a cor da urina. A urina diluída tende a apresentar coloração mais clara (quase transparente), enquanto a urina concentrada, em situações de desidratação, pode assumir tonalidade amarelo-escura (MARTINS et al., 2018).
Dieta
Diversos alimentos podem alterar temporariamente a cor da urina. Por exemplo:
Beterraba: pode causar uma coloração avermelhada (beeturia).
Cenoura: devido ao betacaroteno, pode causar urina alaranjada.
Aspargos: além do odor característico, pode alterar levemente a coloração (COSTA; RIBEIRO, 2019).
Essas alterações geralmente são inócuas, mas podem confundir a avaliação clínica se não forem conhecidas.
Fatores Patológicos
Algumas condições médicas podem alterar significativamente a cor da urina. Essas alterações devem ser investigadas detalhadamente, pois podem ser sinais precoces de doenças renais, hepáticas ou hematológicas.
Hematúria
Presença de sangue na urina pode gerar coloração avermelhada, rósea ou marrom, dependendo da quantidade e do tempo de permanência na bexiga. Causas incluem infecções urinárias, cálculos renais, glomerulonefrites e neoplasias (FERREIRA; LIMA, 2020).
Mioglobinúria
A presença de mioglobina, resultante de lesão muscular intensa (rabdomiólise), pode conferir uma coloração castanho-avermelhada à urina. É uma condição de emergência médica, especialmente em casos de trauma ou exercício extremo (SOUZA et al., 2020).
Bilirrubinúria
A urina com presença de bilirrubina pode ter aspecto escurecido (cor de Coca-Cola), comum em doenças hepáticas como hepatites e cirrose (SILVA; AMARAL, 2021).
Fatores Iatrogênicos e Exógenos
Além de alimentos, muitos medicamentos e substâncias químicas podem alterar a coloração da urina, sendo essas alterações geralmente reversíveis.
Medicamentos
Diversos fármacos alteram a coloração urinária, entre eles:
Rifampicina: urina alaranjada-avermelhada.
Metronidazol: urina escura ou marrom.
Amitriptilina: tonalidade azul-esverdeada.
Levodopa: urina escura (COSTA et al., 2022).
A correta anamnese é fundamental para diferenciar essas alterações de causas patológicas.
Corantes e Substâncias Diagnósticas
Corantes como azul de metileno, usado em exames diagnósticos, também podem deixar a urina azulada. Outros contrastes utilizados em exames de imagem têm efeito semelhante, temporário e esperado (MOURA; CARVALHO, 2019).
Classificação das Cromatúrias
A cromatúria, termo usado para designar qualquer alteração de cor urinária, pode ser classificada conforme a tonalidade predominante:
Cor da urina | Possíveis causas principais |
Vermelha | Hematúria, beterraba, rifampicina, porfiria |
Alaranjada | Desidratação, cenoura, rifampicina, fenazopiridina |
Marrom | Bilirrubina, mioglobina, metronidazol, antimaláricos |
Verde | Amitriptilina, infecções por Pseudomonas |
Azul | Azul de metileno, medicamentos com azul brilhante |
Preta | Melanoma metastático, ácido homogentísico (alcaptonúria) |
Incolor | Hidratação excessiva, diabetes insipidus |
(FONTE: Adaptado de BARBOSA et al., 2020)
Implicações Diagnósticas no EAS
Interferências na Análise Visual
Alterações de cor podem mascarar a presença de hemácias, pigmentos biliares ou proteínas. Por isso, a observação visual deve ser complementada com análise química e microscópica do sedimento urinário (SANTOS et al., 2021).
Falsos Positivos e Negativos
Pigmentos ou corantes presentes na urina podem interferir com reagentes das tiras de teste. Por exemplo, a presença de vitamina C pode gerar falsos negativos para hemoglobina e glicose (RODRIGUES; BASTOS, 2020).
Padronização da Coleta e Importância da Anamnese
A coleta padronizada e o conhecimento da história clínica do paciente são fundamentais para interpretar corretamente a coloração urinária no EAS. Instruções inadequadas podem resultar em coleta contaminada, alterando a aparência da urina.
Além disso, o profissional de saúde deve questionar o uso de medicamentos, suplementos, hábitos alimentares e sintomas associados (GONÇALVES et al., 2023).
Conclusão
A cor da urina, embora frequentemente ignorada, é um importante marcador visual que pode oferecer pistas valiosas sobre o estado clínico do paciente. Diversos fatores – fisiológicos, patológicos e exógenos – podem alterá-la. O conhecimento dessas causas é essencial para a correta interpretação do exame de urina tipo I. A valorização da anamnese e da coleta padronizada são fundamentais para evitar erros diagnósticos e garantir um exame confiável.
Referências (Norma ABNT NBR 6023:2018)
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