Paratormônio (PTH)
- Carlos Wallace
- 25 de abr.
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O paratormônio (PTH), principal regulador da homeostase do cálcio no organismo humano, é um hormônio secretado pelas glândulas paratireoides. No ambiente laboratorial, sua dosagem é essencial para o diagnóstico diferencial de distúrbios do metabolismo do cálcio e do fósforo, como o hiperparatireoidismo primário e secundário, a hipocalcemia e outras disfunções metabólicas ósseas.
1. Introdução
O paratormônio (PTH) é um polipeptídeo composto por 84 aminoácidos, sintetizado e secretado pelas células principais das glândulas paratireoides. Sua principal função fisiológica é manter a concentração sérica de cálcio em limites estreitos, agindo sobre os ossos, rins e intestino. As alterações na secreção de PTH estão associadas a diversas patologias, sendo sua dosagem um dos pilares da investigação laboratorial das disfunções mineral-ósseas.
2. Fisiologia do Paratormônio

2.1 Síntese e Secreção
A síntese do PTH ocorre a partir de um pré-pró-hormônio, processado no retículo endoplasmático e no aparelho de Golgi até formar o hormônio ativo. A liberação do PTH é regulada principalmente pelos níveis de cálcio iônico sérico através do receptor sensível ao cálcio (CaSR) localizado na membrana das células paratireoides.
2.2 Ação Fisiológica
O PTH aumenta a concentração de cálcio no sangue por três mecanismos principais:
Estimula a reabsorção óssea pelos osteoclastos;
Aumenta a reabsorção tubular de cálcio nos rins;
Estimula a conversão da 25(OH)D em 1,25(OH)2D (calcitriol) nos rins, promovendo a absorção intestinal de cálcio.
3. Métodos Laboratoriais de Dosagem do PTH
3.1 Tipos de Ensaios
Existem três gerações principais de ensaios imunométricos para a dosagem de PTH:
Primeira geração: detectam fragmentos C-terminais e N-terminais, sem distinguir o PTH intacto;
Segunda geração: também chamados de ensaios de PTH intacto (iPTH), utilizam dois anticorpos para detectar o hormônio completo (1-84);
Terceira geração: ensaios específicos para o PTH bioativo (1-84), eliminando interferência de fragmentos inativos.
4. Interpretação Clínica dos Resultados
4.1 Valores Elevados de PTH
Valores elevados de paratormônio podem estar associados a uma variedade de condições clínicas. Entre as principais causas estão:
Hiperparatireoidismo primário: decorrente de adenoma, hiperplasia ou carcinoma da paratireoide, comumente associado à hipercalcemia.
Hiperparatireoidismo secundário: resposta fisiológica à hipocalcemia crônica, como na insuficiência renal crônica, deficiência de vitamina D ou má absorção intestinal.
Hiperparatireoidismo terciário: ocorre em pacientes com doença renal crônica de longa duração, nos quais as glândulas paratireoides tornam-se autônomas.
Pseudo hipoparatireoidismo: condição rara em que há resistência periférica ao PTH, levando a níveis elevados do hormônio com hipocalcemia.
Outras causas possíveis incluem:
Síndromes genéticas (ex.: MEN 1 e 2A);
Uso de lítio;
Raquitismo resistente à vitamina D.
4.2 Valores Diminuídos de PTH
A redução dos níveis séricos de PTH pode ocorrer em diversas situações clínicas, como:
Hipoparatireoidismo primário: geralmente de origem autoimune, congênita ou secundário à cirurgia de tireoide, ou paratireoide;
Hipomagnesemia grave: interfere na secreção e ação do PTH;
Toxicidade por ferro ou alumínio: associada à supressão da função paratireoidiana;
Infecções graves ou estados inflamatórios sistêmicos: podem suprimir a produção de PTH.
A interpretação de valores diminuídos de PTH deve considerar a concentração de cálcio sérico, bem como o histórico clínico e medicamentoso do paciente.
4.3 Condições Clínicas Relacionadas
Hiperparatireoidismo primário: aumento de PTH com hipercalcemia;
Hiperparatireoidismo secundário: aumento de PTH com hipocalcemia (geralmente associada à insuficiência renal crônica);
Hiperparatireoidismo terciário: hiperparatireoidismo autônomo após estímulo prolongado;
Hipoparatireoidismo: baixos níveis de PTH e hipocalcemia, podendo ser congênito, autoimune ou pós-cirúrgico;
Pseudo hipoparatireoidismo: resistência periférica ao PTH;
Osteíte fibrosa cística: forma severa de hiperparatireoidismo secundário.
5. Limitações do Exame de PTH na Prática Clínica e Diagnóstica
Apesar de sua utilidade comprovada, a dosagem de paratormônio apresenta limitações importantes que devem ser consideradas no contexto clínico e laboratorial:
Interferência Analítica: fatores como lipemia, hemólise, presença de anticorpos heterófilos ou biotina em excesso podem comprometer a acurácia dos resultados. É fundamental seguir rigorosamente os critérios de rejeição de amostras e utilizar métodos de validação interna para minimizar erros.
Variabilidade entre métodos: diferentes plataformas analíticas (ensaios de segunda vs. terceira geração) podem apresentar discrepâncias significativas nos níveis de PTH, dificultando a comparação longitudinal ou entre laboratórios.
Influência do ritmo circadiano e postura: o PTH apresenta variações fisiológicas ao longo do dia e pode ser influenciado pela posição do corpo durante a coleta. Idealmente, a coleta deve ser padronizada, preferencialmente pela manhã e com o paciente em repouso.
Estabilidade da amostra: o PTH é um peptídeo relativamente instável, especialmente em temperatura ambiente. O processamento inadequado, com retardo na centrifugação ou armazenamento impróprio, pode levar à degradação da amostra e subestimação dos níveis reais.
Fatores clínicos confundidores: alterações no metabolismo do cálcio e fósforo por outras causas (uso de diuréticos, reposição de vitamina D, distúrbios gastrointestinais, entre outros) podem impactar os níveis de PTH sem que haja patologia primária da paratireoide. O exame, portanto, deve ser sempre interpretado em conjunto com cálcio iônico, fósforo, creatinina, 25(OH)D e histórico clínico.
Custo e disponibilidade: em alguns contextos de atenção primária ou regiões remotas, o acesso ao exame pode ser limitado, exigindo estratégias alternativas para triagem de distúrbios do metabolismo mineral.
Essas limitações não anulam o valor diagnóstico do teste, mas exigem interpretação cautelosa e integrada ao contexto clínico e laboratorial do paciente.
6. Considerações Finais
A dosagem do PTH no ambiente laboratorial exige atenção criteriosa ao controle de qualidade e ao manejo adequado da amostra. Seu valor clínico está na precisão diagnóstica e no acompanhamento terapêutico de diversas condições relacionadas ao metabolismo mineral. O biomédico, como parte essencial da equipe laboratorial, tem papel decisivo na garantia da qualidade analítica e na validação dos resultados liberados.
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